Título: Acordo com andinos frustra expectativas do setor industrial
Autor: Raquel Landim
Fonte: Valor Econômico, 06/12/2004, Brasil, p. A3

Comércio exterior Brasil abrirá mais de 80% do seu mercado em cinco anos, mas contrapartida será de 20%

A indústria brasileira está "frustrada" com o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a Comunidade Andina, que é a base para a formação da Comunidade Sul-Americana das Nações. Uma das prioridades da política externa do governo Luiz Inácio Lula da Silva, o bloco será oficialmente criado na cúpula de presidentes da América do Sul, que acontece em Cuzco, Peru, a partir de amanhã. Documento técnico produzido pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e obtido pelo Valor avalia que a questão estratégica do governo brasileiro na América do Sul suplantou os interesses econômicos. "Para a indústria, que identifica os mercados andinos como mercados naturais (...), os resultados incorporam um sentimento de frustração", diz o texto. Os empresários reclamam dos longos prazos para o fim das tarifas de importação e temem que os benefícios sejam erodidos pelas negociações ainda em curso entre a Comunidade Andina e os Estados Unidos. Também há críticas em relação à complexidade do acordo, que pode dificultar o trânsito das mercadorias nas aduanas. O acordo possui 67 cronogramas diferentes de eliminação de tarifas. Só o Brasil terá que trabalhar com 26. Isso ocorre porque esse acordo é, na realidade, um conjunto de acertos bilaterais entre os países envolvidos fechados no âmbito da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi). Pelo Mercosul, estão Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Pela Comunidade Andina, Colômbia, Venezuela e Equador. O Mercosul já tinha acordos com Peru e Bolívia. Nos cálculos da CNI, o Brasil reduzirá suas tarifas muito mais rapidamente do que os andinos. Após cinco anos de vigência do acordo, o Brasil abrirá seu mercado para 86,5% das exportações da Colômbia, 91,2% da Venezuela, 98,6% do Equador e 97,4% do Peru. Os países andinos concentrarão o fim das tarifas após o sexto ano de vigência do acordo. Nos primeiros cinco anos, a Colômbia abrirá apenas 26,7% do mercado, a Venezuela, 16%, o Equador, 19,2% e o Peru, 9,7%. No caso de Venezuela e Equador, 35,3% e 42% dos mercados, respectivamente, só estarão livres de tarifas no último (15º) ano do período de desgravação. A CNI questiona se o acordo Mercosul - Comunidade Andina obedece às regras da Organização Mundial de Comércio. Segundo a OMC, um acordo de livre comércio deve promover abertura substancial em dez anos. A OMC não fixa percentual, mas, supondo que fosse 80%, o acordo com os andinos não atingiria esse objetivo. As negociações entre os dois blocos se estenderam por oito anos. Os países menores relutavam e pediam tratamento distinto. O governo brasileiro aceitou esse elemento como condição para fechar o acordo e flexibilizou suas posições, argumentando que, se tivesse aceitado há mais tempo, a abertura estaria quase concluída. "Nós tínhamos consciência da assimetria. Mas era necessário tanto? Era preciso deixar tudo para tão tarde?", argumenta Lúcia Maduro, economista da CNI. Na sua avaliação, preocupa a perspectiva de que, por conta do longo prazo, o acesso obtido nos mercados andinos seja diluído pela eventual conclusão da Alca (Área de Livre Comércio das Américas). A maioria dos produtos que interessa à indústria brasileira ficou para o final do período de desgravação. Estudo elaborado por Pedro da Motta Veiga a pedido da Secretaria Geral da Aladi enumerou os produtos brasileiros que teriam boas oportunidades de ganhar mercado nos países andinos. Dos 377 itens identificados no mercado colombiano, 249 terão as tarifas eliminadas após seis anos do início do acordo. Na Venezuela, dos 429 produtos selecionados, 319 serão liberados a partir do sexto ano. E um grupo de 77 só usufruirá de tarifa zero no 15º ano. No Peru, dos 278 produtos, 205 ficam para depois. A melhor situação acontece no Equador, que deixará apenas 103 produtos dos 355 para depois do 6º ano. O princípio do tratamento diferenciado foi adotado também para as regras de origem. Os produtos de Brasil e Argentina poderão conter 40% de insumos importados. Para Colômbia, Venezuela e Uruguai, o percentual é de 50% no início do acordo e 45% após o oitavo ano. De imediato, Paraguai e Equador poderão utilizar 60% de insumos importados. O percentual cai para 55% no sexto ano e 50% no décimo. Como as novas regras serão incorporadas ao Mercosul (hoje é 50% para todos os sócios) fica atendido um dos pedidos do Paraguai, que tem dificuldades para cumprir as normas atuais. O comércio entre o Mercosul e os países andinos evoluiu pouco. O intercâmbio atingia US$ 5,1 bilhões em 1995 e não ultrapassou US$ 5,2 bilhões (incluindo a Bolívia) em 2003. O fraco desempenho decorre da crise dos países do Mercosul e do desinteresse dos andinos. Também falta dinamismo no fluxo de comércio com o Brasil: apenas US$ 3,4 bilhões em 1995 e US$ 3,7 bilhões em 2003. O Brasil vende para a Comunidade Andina automóveis, tecidos, TVs, fogões, etc. Já as importações estão concentradas em commodities.