Título: BC e Fazenda descumprem ordens e trocam farpas
Autor: Cristiano Romero e Alex Ribeiro
Fonte: Valor Econômico, 09/05/2006, Brasil, p. A3

A troca pública de farpas entre as duas maiores autoridades econômicas do governo - o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles - contraria orientação expressa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O presidente, segundo um assessor do Palácio do Planalto, determinou que os dois guardem as divergências para os debates internos do governo. Ruy Baron/Valor Henrique Meirelles: desconforto com declarações vindas do governo sobre decisões tomadas pelo Copom

"Lula não quer briga pública e já deixou isso claro", contou um assessor. Em entrevista publicada pelo jornal "Folha de S. Paulo" no fim de semana, Mantega manifestou mais uma vez sua insatisfação com a política monetária. "Enquanto o Banco Central baixar os juros, estaremos sintonizados, perfeitamente sintonizados", condicionou o ministro da Fazenda.

"Esta é uma sinalização clara de discordância", comentou um ministro próximo do presidente da República. "Não ajuda em nada, afinal, já temos (no governo) tantos problemas para administrar", acrescentou ele, mencionando a crise com a Bolívia, a entrevista do ex-dirigente do PT Sílvio Pereira ao jornal "O Globo", no domingo, e o inquérito do Ministério Público que apura o envolvimento de 40 pessoas, entre ministros, dirigentes partidários e aliados do governo, no escândalo do "mensalão".

O "troco" de Meirelles veio um dia depois. Um presidente de Banco Central, que preferiu não se identificar, relatou, em Basiléia, durante reunião do Banco Internacional de Compensações (BIS), que, em conversa com Meirelles na semana passada, ouviu que ele "não se sente bem" no relacionamento com o ministro Guido Mantega.

Segundo as fontes ouvidas pelo Valor, ao criticar o Banco Central, Mantega deu uma opinião pessoal, ou seja, ele não teria passado um recado do presidente Lula, que, em ocasiões anteriores, chegou a se queixar internamente da lentidão da autoridade monetária em reduzir os juros. Um assessor do presidente lembrou que, quando nomeou Guido Mantega para substituir Antonio Palocci no Ministério da Fazenda, Lula reiterou que o Banco Central continuaria a ter autonomia.

Desde então, diz essa fonte, estabeleceu-se uma "relação direta" entre Lula e Meirelles. "O presidente do Banco Central está firme no cargo. Tudo o que Lula não quer neste momento é confusão na economia", comentou um assessor.

No Banco Central o incidente era atribuído a um mal-entendido. Em viagem ao exterior, Meirelles conversou longamente com várias autoridades nos últimos dias. Um de seus interlocutores - também um banqueiro central - teria chegado à conclusão, por raciocínio próprio, de que o colega brasileiro se sentia desconfortável com Mantega.

A verdade é que realmente existe desconforto dentro da diretoria do Banco Central com declarações vindas do governo - e não somente de Mantega - sobre as decisões do Comitê de Política Monetária (Copom), o que coloca em xeque a autonomia da instituição. A queixa é que os ruídos políticos dificultam a coordenação das expectativas de mercado, aumentando os custos da política monetária. Mas a tática do Banco Central tem sido não amplificar esses ruídos com declarações públicas, pronunciando-se apenas quando realmente necessário - por exemplo, nas ocasiões em que o fogo amigo tira a curva de juros futuros de onde o Banco Central gostaria que permanecesse.