Título: Mercosul vai discutir papeleiras e Brasil fica em situação difícil
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 09/06/2006, Brasil, p. A3

Decidido a manter-se à margem na crise política entre Argentina e Uruguai devido à oposição dos argentinos a investimentos na construção de fábricas de celulose em território uruguaio, o governo brasileiro se verá em uma " saia justa " na próxima semana, e participará, pela primeira vez, de uma discussão sobre o assunto, segundo definição de um influente diplomata brasileiro. A Argentina convocou uma reunião extraordinária do Conselho de Ministros do Mercosul, com todos os sócios, e o presidente do Uruguai, Tabaré Vasquez, já instruiu seus representantes a fazer das " papeleras " um dos principais pontos do encontro.

A reunião era uma reivindicação do governo uruguaio, que ameaçava não comparecer à reunião de cúpula do Mercosul, em julho, por não ter sido atendido. A Argentina, que é anfitriã da reunião de cúpula e corria o risco de patrocinar um grande fracasso com o boicote uruguaio, aproveitou, como pretexto para convocação da reunião ministerial extraordinária, a pressão do governo da Venezuela, que também passou a pedir o encontro nos últimos dias, para formalizar mais rapidamente seu protocolo de adesão ao Mercosul.

Na agenda da reunião não está explicitada a discussão sobre as fábricas de celulose, mas há um ponto de discussão sobre a " situação do Mercosul " , com a previsão de debates sobre os sócios menores. Os argentinos, nos últimos meses, realizaram sucessivos bloqueios na fronteira com o Uruguai, com apoio do presidente Néstor Kirchner, para protestar contra a instalação de duas fábricas de celulose, que acusam de ameaçar o meio ambiente e o rio Uruguai, na divisa dos dois países. É um dos maiores investimentos na indústria uruguaia, cerca de US$ 1,6 bilhão, e Vasquez argumenta que estão sendo tomadas todas as precauções, com os mais modernos equipamentos para as fábricas.

O Brasil, na análise do Itamaraty, está em uma situação difícil nessa discussão, pressionado pelo Uruguai a tomar partido e sem possibilidade política de atender ao pedido. O assunto se tornou questão de sobrevivência para o governo Tabaré Vasquez, e tema de grande sensibilidade política para Néstor Kirchner, que assumiu publicamente a causa dos ecologistas. A Argentina abriu um processo na Corte Internacional de Haia e o Uruguai pede indenização à Argentina no tribunal de Revisão do Mercosul, acusando o vizinho de transgredir o acordo que estabelece livre trânsito nas fronteiras.

Publicamente, segundo informou um graduado diplomata ao Valor, o Brasil seguirá defendendo a tese de que a discussão é um tema bilateral, a ser resolvido pelos dois governos, com a ajuda que considerarem, consensualmente, necessária dos sócios. Qualquer intervenção brasileira será tomada em absoluto sigilo, afirma a fonte do Itamaraty, já que seria politicamente inviável a qualquer dos governos vizinhos defender, para o público interno de seus países, alguma concessão sugerida pelo Brasil. Segundo um diplomata do Ministério de Relações Exteriores da Argentina, a reunião extraordinária, ainda que oficialmente não seja para tratar das " papeleras " , é uma demonstração de boa vontade em relação aos uruguaios, por parte do governo Kirchner.