Título: Inflação americana, Ben Bernanke e os brasileiros
Autor: Solange Scorsatto e Juan Jensen
Fonte: Valor Econômico, 09/06/2006, Opinião, p. A12

A ata divulgada pelo FED (o banco central americano) não trouxe nenhuma surpresa. Já se sabia que os sinais emitidos pela economia americana não eram claros a ponto de o FED tomar uma posição mais definida a respeito de sua política monetária. Na verdade, estes sinais ainda estão obscuros e confusos. O banco central americano traz em sua última ata uma indefinição quanto ao possível aumento na taxa de juros de curto prazo, mas deixa claro, no entanto, que um aumento ou não na taxa básica de juros depende da evolução dos indicadores econômicos nas próximas semanas. Mais ainda, que o comitê vai utilizar as medidas necessárias para atingir seu objetivo maior, que é controlar a inflação. Nestas semanas que antecedem a reunião, o Comitê de Política Monetária do FED (FOMC) observará atentamente o comportamento de preços-chave (como o preço da gasolina, aluguéis e vestuário, responsáveis pelo recente aumento nos índices de preços americanos), assim como variáveis do lado real da economia (dados de construção civil e de bens duráveis). Ao contrário do quadro que se apresentava nas últimas reuniões, a tarefa diante de Ben Bernanke e seus assessores não é das mais fáceis. Os sinais dúbios apresentados por indicadores divulgados recentemente tornam a leitura da tendência da economia americana uma difícil e ingrata missão, cujos resultados podem ter influência nos rumos da economia mundial.

O dilema que se coloca ao FED tem origem em componentes estruturais e conjunturais. O preço dos insumos básicos (o petróleo em particular) tem origem na demanda crescente de países em desenvolvimento, principalmente China e Índia, assim como restrições de oferta, provocada por limite de capacidade e conflitos em países produtores (Nigéria e Irã). Embora o aumento no preço da energia (gás, eletricidade e combustíveis) e de outros insumos básicos tenha efeito limitado no núcleo da inflação, devido à baixa taxa de transferência, a magnitude elevada e a persistência com que estes aumentos têm ocorrido podem causar contaminação de outros produtos, levando a uma aceleração dos preços. O índice de preços ao consumidor apresenta um crescimento desde o início do ano, causado principalmente pelo aumento nos preços de eletricidade. No mês de maio, os preços dos produtos que compõem o núcleo aumentaram 0,6%, superando a taxa de 0,5% esperada pelo mercado. A projeção para a taxa anual situa-se em 3,2% (baseada na inflação do primeiro quadrimestre). Esta elevação nos preços aponta para a continuação da escalada na taxa de juros básicos.

Entretanto, outros indicadores sugerem que o FED será mais cauteloso. O mercado imobiliário, grande motor da economia americana nos últimos anos, mostra alguns sinais de estar perdendo fôlego, parte devido a um aumento na taxa de juros de longo prazo. Na minuta, o presidente do FED, Ben Bernanke, sugeriu que o mercado imobiliário está desaquecendo de uma forma moderada, contribuindo para a desaceleração do crescimento da economia. Além disso, o crescimento da oferta de empregos foi menor que o previsto: foram criados 75 mil postos de trabalho, número bem inferior aos 140 mil esperados. Outro ponto a ser ressaltado é a defasagem entre a implementação da política monetária e seus impactos no lado real da economia. Ou seja, parte do efeito do aumento continuado dos juros primários nos últimos meses ainda está por vir, tanto em termos de desaceleração da atividade econômica, como dos impactos da atividade na inflação. Neste caso, um aumento exagerado na taxa de juros poderia arrefecer excessivamente a economia americana e mundial. Esta é, portanto, mais uma razão para o FED aguardar sinais mais claros da economia.

-------------------------------------------------------------------------------- Os investidores estrangeiros invadiram o mercado doméstico atrás dos juros altos, mas a festa está acabando --------------------------------------------------------------------------------

Resta saber qual a atitude de Ben Bernanke em relação ao dilema entre inflação e crescimento. Entre seus pares na academia e analistas de mercado nos EUA, existe a expectativa de que, entre combater a inflação e crescimento da economia, Bernanke dará preferência à primeira. Outro ponto importante é o aumento da expectativa de inflação. É necessário conter esta expectativa, pois o custo de combater a inflação é menor quando os agentes acreditam que esta será de fato reduzida. Nesta semana, na conferência da American Bankers Association (ABA), o presidente do FED mostrou-se preocupado com o aumento da inflação, alimentando a expectativa de que o banco aumentará a taxa de juros, mais uma vez, no final do mês. Desta forma, em nossa opinião, a decisão de elevar em 0,25% a taxa de juros básica não deveria ser vista com surpresa. Esta é a decisão mais provável.

Para o Brasil, apesar dos fundamentos macroeconômicos permanecerem sólidos, o país já está sofrendo com esta crise americana. Nos últimos anos, com as altas taxas de juros praticadas no mercado doméstico e o risco-país em baixa, os investidores "invadiram" o mercado brasileiro. Entretanto, a festa está acabando e é hora de ir embora. Com a real possibilidade de mais aumentos nos juros americanos, a tendência se reverteu bruscamente e os investidores liquidam posições no Brasil para adquirir ativos denominados em dólar. O resultado é o que estamos vendo nas últimas semanas, queda acentuada no mercado de ações e a desvalorização do real frente ao dólar, além da alta volatilidade.

Tudo isso traz impactos sobre nossa política monetária, que já se tornou mais conservadora devido aos riscos inflacionários futuros. Na ata do Copom divulgada ontem, este cenário de crise internacional passou a ser contemplado nas análises de nossa autoridade monetária, ainda que com baixa probabilidade. Entretanto, acreditamos que esta volatilidade dos mercados internacionais não cessará no curto prazo, afetando então a política monetária no futuro. Com relação ao cenário externo, o Banco Central coloca claramente na ata que: "na eventualidade de se verificar uma exacerbação de riscos que implique alteração do cenário prospectivo traçado para a inflação neste momento pelo Comitê, a estratégia de política monetária será prontamente adequada às circunstâncias". Estes são os reflexos do dragão da inflação americana, assombrando não só a vida do presidente do FED, Ben Bernanke, e dos americanos, mas também a vida de nosso BC e dos brasileiros.