Título: Concorrência desleal fica impune
Autor: Fernando Teixeira
Fonte: Valor Econômico, 06/12/2004, Legislação, p. E1

Penal Jurisprudência do STJ ameniza sanções à pirataria e outros crimes de natureza privada

A consolidação de uma jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que enquadra crimes de pirataria e concorrência desleal como crimes de menor poder ofensivo está inviabilizando a repressão a essas infrações. Advogados que atuam na área já reconhecem que a abertura de processos penais nesses casos tornou-se uma mera formalidade, pois o resultado nunca traz a imposição de penas. Valendo-se apenas de ações cíveis, a punição acaba sendo dificultada. O problema no caso não é propriamente que as penas previstas são pequenas - a legislação prevê detenção de três meses a um ano ou multa. O problema é que elas nunca chegam a ser impostas. Crimes de pequeno poder ofensivo são encaminhados aos juizado especiais criminais, que possuem um rito processual próprio, cujo objetivo é exatamente dificultar a imposição de penas a fim de aliviar o sistema carcerário de pequenos infratores. O resultado é que, sem a imposição de penas, crimes que envolvem tipicamente relações entre empresas podem se tornar economicamente rentáveis. Segundo o advogado Celso Vilardi, do Vilardi Advogados Associados, nos juizados o réu tem um benefício chamado transição penal, em que o juiz impõe uma sanção em troca da extinção do processo. Essa sanção é, usualmente, a entrega de algumas cestas básicas a uma entidade assistencial. "O infrator não perde nem a primariedade", diz Vilardi. Assim, empresários que usam práticas desleais ficam sujeitas a uma sanção irrisória, e as empresas que são vítimas, sem a possibilidade de pressionar com a ameaça de prisão. Quando esses crimes tramitavam nas varas criminais comuns, diz o advogado, era possível a imposição de multas ou a negociação de uma indenização com a empresa que foi vítima, pois havia a ameaça de prisão. A multa, ou a indenização, acabavam por compensar o prejuízo causado, e inibiam os crimes. O advogado diz que tem cerca de 70 processos por concorrência desleal, mas hoje é inútil tentar encaminhá-los às varas criminais, pois mesmo que o juiz da primeira instância aceite o processo, o réu pode conseguir habeas corpus do tribunal. No STJ, o entendimento de que esses crimes devem ser encaminhados aos juizados criminais começou a se formar desde 2001, em julgamentos da 6ª e 5ª Turmas, e foi confirmado pela Terceira Seção em um caso apreciado no fim de 2003. Segundo o julgamento da Terceira Seção, A Lei dos Juizados Criminais aplica-se aos crimes sujeitos a ritos especiais, inclusive àqueles apurados mediante ação penal exclusivamente privada. A lei que criou os juizados especiais estaduais, a Lei nº 9.099/95, estipulou que crimes com pena máxima de um ano seriam da competência dos juizados criminais, com exceção dos casos em que a lei prevê "procedimento especial". O rito especial abrange algumas infrações de natureza privada, como crimes contra a honra, crime de prevaricação e os de concorrência desleal. Em 2001, a Lei n° 10.259 criou os juizados federais e aproveitou para ampliar de um ano para dois anos a pena para enquadrar crimes como de menor poder ofensivo, mas não reproduziu a exceção trazida na lei de 1995. A omissão acabou levando à mudança no entendimento dos tribunais. O advogado José Henrique Vasi Werner, do escritório Dannemann Siemsen Advogados, diz que é possível obter resultados criminais em casos de pirataria que envolvem direitos autorais, pois a penalidade nesses casos foi ampliada na Lei de Direitos Autorais para dois a quatro anos, o que permite que as ações escapem dos juizados especiais. Ele diz que também foi trabalhada uma ampliação do gênero para os crimes previstos na Lei de Propriedade Industrial pelo Projeto de Lei n° 333/99. O PL passou pelo Senado e foi aprovado pela Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, em outubro, mas ainda não foi levada a plenário.