Título: Caravanas mostram que Marta é mais popular na base do partido
Autor: Agostine, Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 20/09/2011, Política, p. A9

Em um galpão da Saúde, bairro da zona sul da capital paulista, o ministro da Educação e pré-candidato à Prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad, pega o microfone, levanta-se e prega a unidade do PT, ao discursar para 200 militantes petistas. "Para ganhar as eleições, temos de garantir que do processo de prévia saia um PT unido em torno de um candidato. E unido para valer", diz. A plateia, sentada em cadeiras de plástico e aglomerada perto das paredes, o acompanha. "É preciso todos trabalhando por um candidato."

Primeiro a discursar em uma das edição das 36 caravanas do PT com a militância, Haddad mostra-se receoso quanto ao empenho dos vereadores na campanha eleitoral. "[É preciso] que todos nós estejamos na rua, militando em 2012", afirma. "Uma das razões da mobilização é que nossa bancada tem que aumentar". O ministro logo muda de assunto e elogia as "ideias brilhantes" do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu principal cabo eleitoral. Ao exaltar as ações do ex-presidente, expõe suas bandeiras, vinculadas ao governo federal: as 100 mil bolsas de estudo do Prouni concedidas na capital, a previsão de construção de 172 creches na cidade, a futura distribuição de bolsas no ensino técnico e a promessa de ensino integral. "O paulistano é sempre cauteloso, mas quer mudar. Precisamos dizer que São Paulo perdeu tempo nesses oito anos", declara. "Precisamos de discurso novo e abordagem diferente".

Ao lado de Haddad, estão os outros quatro pré-candidatos, sentados à mesa montada no galpão onde funciona uma casa de shows. Naquela manhã de domingo, Marta é a última a falar. Ao pegar o microfone, espera as palmas e os gritos de saudação cessarem. A petista agradece pelos votos obtidos em 2010, quando elegeu-se senadora, e diz que seu maior desejo é o de voltar à prefeitura, depois de comandá-la entre 2001 e 2004. Ela critica as ações do prefeito Gilberto Kassab (sem partido), reclama do tratamento dado pelo atual governo aos Centros Educacionais Unificados (CEUs), uma das marcas de seu governo, e diz que perdeu a disputa pela reeleição, em 2008, porque errou politicamente em ações como a criação da taxa do lixo e da luz que lhe renderam o apelido de "Martaxa". A petista defende que o PT continue focado nas classes mais carentes. "Tem-se falado do discurso para a classe média. Concordo. Lula me disse que eu perdi [a disputa pela reeleição em 2008] porque tinha governado para os mais pobres. Mas não tem nada a ver com isso. Fiz muita coisa errada. O que não podemos é abandonar os que mais precisam. Se esquecermos deles, aí é que perderemos", diz, sendo interrompida por aplausos. "Tudo bem, vamos atrás da classe média. Mas o que tem de estar no meio da nossa testa é o que fizemos pelos mais pobres", afirma. "Tenho experiência. Já fiz, quero continuar a fazer", finaliza, entre palmas e elogios.

O senador Eduardo Suplicy, classificado na reunião como "patrimônio" e "Dalai Lama do PT", investe em sua profissão de fé: a Renda Básica de Cidadania. Suplicy se diz satisfeito por conseguir o compromisso dos outros pré-candidatos com sua proposta e, em todas as caravanas, gasta os 15 minutos para defender a proposta Em Cidade Ademar, na zona sul, o senador foi recebido com gritos de "gato!!!" e leu um rap de Mano Brown, do Racionais MC"s, interpretando os latidos de um cachorro. "Arrasou, gato", gritam. Antes da música, Suplicy tenta explicar como funciona o Bolsa Família, mas se perde enquanto fala. "Me enganei", diz, depois de errar uma conta e ficar mudo por uns segundos, olhando a plateia. Todos caem na gargalhada.

Os deputados federais e ex-secretários da gestão Marta, Carlos Zarattini e Jilmar Tatto seguem uma linha semelhante, com críticas a Kassab e propostas para a nova classe média, que ascendeu no governo Lula. Ambos dividem os méritos da criação do Bilhete Único, que modernizou o sistema de transporte e foi, ao lado dos CEUs, marca de Marta.

Depois de ouvir os relatos de militantes, Zarattini reclama da "privatização" da saúde, com a expansão das Organizações Sociais na gestão de hospitais e postos de saúde. " Se a pessoa tem um dinheirinho a mais, faz logo um convênio", diz. "Toda a renda que a população conseguiu com o governo Lula está perdendo com o Kassab", afirma. O parlamentar compara a gestão de Kassab com a dos ex-prefeitos Paulo Maluf e Celso Pitta e reforça que o PT é oposição, apesar de Kassab ter boa relação com a presidente Dilma Rousseff.

Tatto se mostra à vontade com a militância. Pega o microfone, caminha enquanto discursa e chama as pessoas pelo nome. O deputado ressalta que o PT não vai ganhar a eleição sozinho e defende alianças amplas. Para conquistar a nova classe média, considera que o discurso petista tem de ser baseado no consumo. "O povo está melhorando de vida por causa do PT, dos governos Lula e Dilma. Temos que falar que se o hospital melhorar, não vai precisar pagar mais o plano de saúde. Se o metrô melhorar, não vai precisar ficar usando o carro. O povo vai guardar dinheiro para comprinhas".

As caravanas antecedem a prévia, marcada para 27 de novembro, se não houver consenso. Desde agosto, quando começaram, a rotina é a mesma: os militantes falam por cerca de uma hora dos problemas dos bairros e os pré-candidatos discursam por quinze minutos. Em cada reunião, realizada sexta, sábado e domingo, participam de 200 a 300 militantes, em média. Zarattini, Tatto e Suplicy são os mais assíduos. Haddad não foi à primeira, porque ainda não tinha conversado com o presidente do PT municipal, Antonio Donato, sobre sua pré-candidatura. Marta faltou a três dos quinze encontros e não irá em uma das reuniões do próximo fim de semana.

Com as caravanas, os pré-candidatos têm aperfeiçoado o discurso. A mudança mais clara é a de Haddad. Único entre os cinco sem disputar uma eleição, o ministro trocou o "eu fiz " pelo "nós fizemos". Haddad, assim como Tatto e Zarattini, integrou a gestão Marta, como chefe de gabinete da Secretaria de Finanças. A disputa pela paternidade de ações na gestão gerou críticas de outros postulantes e ele adaptou sua fala. E passou a falar "companheiro".

Há três semanas, em Santo Amaro, zona sul, a imagem era diferente. O ministro chega ao encontro direto de Brasília, ainda vestido com terno marrom e gravata, e chegou esbaforido, quase no fim da reunião, depois de duas horas de trânsito. Com o microfone em mãos, apresenta-se como acadêmico e destaca sua formação universitária, sem empolgar. "Fiz carreira acadêmica e fui professor universitário", diz. "Fiz Filosofia, Economia e fui professor da USP", continua. Sobre sua passagem pelo governo municipal, Haddad falou sobre " a situação falimentar que enfrentou no pós-Pitta" e que o "país estava na era FHC, com as receitas estagnadas". Depois, conta que foi convidado a participar da equipe econômica do governo Lula "pelo revigoramento" que ele fez na cidade. O pré-candidato fala mais sobre a necessidade de "comunicar um projeto de região metropolitana" do que sobre propostas para a capital. Poucas palmas após o discurso.

Naquele mesmo encontro, Marta é interrompida três vezes pelos aplausos e foi convidada a entregar a carteirinha de PT a recém-filiados.

A militância se divide em relação aos pré-candidatos. Irene Vieira, de 59 anos, desempregada, anota as propostas dos postulantes em um caderno. "Conheço muito pouco do Haddad. Escolheria a Marta, porque ela sempre fez muito pelo povo", diz. Filiado ao PT desde os anos 80, o taxista Antonio Domingos de Melo, de 60 anos, diz ter gostado de todos os pré-candidatos, mas também votaria em Marta na prévia. "Ela foi prefeita, fez como ninguém um trabalho pelos mais pobres. Fez muito pelo social. Haddad tem o apoio de Lula, mas ele não é homem de voto", comenta. "Se bem que Lula é muito forte. Com o peso dele [do ex-presidente], tudo pode acontecer", diz.

Apesar de ter simpatia por Marta, Maria Paula Ambrosio, de 36 anos diz que votaria em Haddad. "A gente conhece, sabe o que a Marta fez. Mas ela está muito visada. Infelizmente, na cidade, tem muita gente que não vota nela", diz. "E o Haddad mostrou ter uma visão boa sobre São Paulo", comenta. Possível eleitor de Haddad, Paulino (não informou o sobrenome) diz que escolheu o ministro porque o vereador com quem trabalha, Francisco Chagas, o apoia.

Afonso Roberto Santos, de 53 anos, desempregado, ainda não decidiu qual seria o melhor candidato do PT para disputar em 2012. "Quando Marta se candidatou, ninguém botava fé nela. Depois, ela surpreendeu. Mas agora acho que todos os pré-candidatos são bons", diz. Depois de ouvir os discursos, Maria Tome Andrade, de 43 anos, não sabia ao certo que lá estavam os pré-candidatos do PT. Para ela, era uma reunião para debater os problemas do bairro. "Eu votaria no Jilmar. Mas se a Marta for candidata, votarei nela."

Em comum, os militantes reforçam o desejo por prévia. "Nós temos que decidir, não Lula. É democracia", diz Antonio Melo. (CA)