Título: Dois terços das maiores companhias já foram fraudados por funcionário
Autor: Carolina Mandl e Talita Moreira
Fonte: Valor Econômico, 06/12/2004, Empresa, p. B2

Pesquisa feita pela KPMG com mil empresas com faturamento entre R$ 250 milhões e R$ 3 bi mostra que 69% delas já foram alvo de fraude, ato que tem como seu principal protagonista o funcionário. E mais da metade das companhias, ou 55%, acredita que a tendência futura de fraude é crescente. Cheques e documentos falsificados, roubos e notas frias são os mecanismos mais utilizados para as falsificações. Na maior parte dos casos (83%) esses e outros instrumentos de adulteração levam a perdas de até R$ 1 milhão, mas para outros 12% leva a prejuízos de R$ 1 milhão a R$ 5 milhões. E em 49% dos casos as empresas relatam não terem conseguido reaver seus recursos.

A modalidade de falsificação de balanços, apesar de cada dia mais aparecerem casos nos jornais, ainda não é o problema mais grave no Brasil, responsável por apenas 1% dos episódios nas empresas pesquisadas. "Ainda existe muita informalidade, o que facilita a emissão de notas falsas. Isso é bem mais simples do que mexer com contabilidade", explica Werner Scharrer, sócio da KPMG. A pesquisa aponta que o fator que mais leva à fraude é a perda de valores sociais e morais, apontado por 62% dos entrevistados. Além disso, 55% deles também indicaram a impunidade e a falta de sistemas de controle nas empresa. "Como a fraude é cometida por pessoas, ela nunca pode ser 100% evitada", explica Werner. Segundo o executivo, as empresas estão criando controles mais sofisticados, mas, mesmo assim, a falsificação acaba sendo cometida. "A diferença é que temos notado que, por causa do reforço no controle, ela acaba sendo feita por mais de uma pessoa. Há conluio." A forma de se armar contra a fraude, para Werner, é aumentar os controles internos e punir os culpados quando o problema ocorrer. Se não há punição, as pessoas acham que isso é legal. O levantamento apontou que 51% das empresas detectaram falhas nos controles internos. A edição anterior da pesquisa sobre fraudes da KPMG foi realizada em 2002. Os índices deste ano são bastante próximos dos apurados daquela vez. De olho na constante preocupação das companhias com as fraudes, as firmas de auditoria vêm oferecendo serviços de detecção e prevenção, áreas que estão ganhando importância crescente para elas. A PricewaterhouseCoopers, por exemplo, criou um time de 40 funcionários especializados no assunto, que já representa 5% de seu faturamento. A área de controle de riscos da Deloitte foi a que mais cresceu nos últimos anos e é responsável por 10% de sua receita. "A fraude existe há muito tempo, mas agora as empresas estão mais preocupadas com ela porque não se pode viver num mundo assim", afirma José Paulo Rocha, sócio da área de finanças corporativas da Deloitte. As três formas mais comuns de fraude, segundo Rocha, são a distorção de informações financeiras, a apropriação de ativos e a entrada de terceiros, que visam beneficiar alguém. Para Carlos Asciutti, sócio da Price responsável pela área de investigações, estão aumentando os casos de fraudes contábeis. Eles não apenas cresceram como a legislação também ficou mais rigorosa, especialmente nos Estados Unidos, o que também levou a um número maior de divulgações de problemas nos balanços. "Até três anos atrás, eram divulgados uns cinco casos por ano. Hoje são cerca de 40." A atuação das auditorias no ramo de investigações desperta críticas no mercado. Em alguns casos recentes de fraudes, as auditorias não detectaram o problema. A Deloitte, por exemplo, auditava as demonstrações da Parmalat; a Price, do banco Noroeste; e a KPMG, do Nacional. "Elas sofrem vários processos na Justiça no mundo porque não detectaram fraudes. Como agora querem dizer que entendem do problema?", afirma Marcelo Gomes, diretor da GBE Peritos & Investigadores Contábeis. Para as auditorias, o fato de o nome delas estar envolvido com empresas fraudadoras não significa que não são aptas a prestar serviços de combate ao problema. "O auditor está lá para atestar se o resultado está de acordo com as normas contábeis, e não para dizer se as informações são verdadeiras ou falsas", afirma Asciutti, da Price. Segundo Rocha, da Deloitte, a empresa decidiu criar essa área porque possui profundos conhecimentos da área contábil, além das técnicas investigativas. "Quando se faz uma auditoria, não é o escopo identificar fraudes, e sim dar parecer sobre as demonstrações financeiras", diz. Em novembro deste ano, a Justiça brasileira deu uma decisão que vai ao encontro do discurso das auditorias. O Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo determinou que não houve falha da Price na auditoria dos balanços do Noroeste entre 1995 e 1997, quando US$ 242 milhões foram desviados das contas do banco. De acordo com Asciutti, sócio da Price, caso o mercado comece a achar que a auditoria tem a função de encontrar fraudes, o perfil do auditor terá de mudar, porque hoje ele não é preparado para isso.