Título: América Latina passa a ser credora dos bancos
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 06/12/2004, Finanças, p. C3

Os bancos internacionais continuam a reduzir sua exposição na América Latina, conduzindo a saída líquida de fundos da região pelo nono trimestre consecutivo, informa o Banco para Compensações Internacionais (BIS), o banco central dos bancos centrais. Em relatório trimestral sobre a atividade financeira global divulgado na Basiléia (Suíça), o BIS diz que a América Latina tornou-se "contribuinte líquida"´ de fundos para o sistema bancário internacional desde o final de 2003, como resultado de contínuos depósitos no estrangeiro, além de amortizações e anulação de dívidas. As estatísticas da instituição mostram que, ao final de junho, os passivos ("liabilities") dos bancos internacionais em relação à América Latina, sobretudo depósitos, eram US$ 19,8 bilhões, maiores do que os ativos ("claims") dessas instituições para a região. O BIS vê mudança de longo prazo nos parâmetros de financiamento para a América Latina, com a retração dos bancos sendo acompanhada por um "robusto" lançamento de bônus internacionais por empresas e governos com custos mais baixos e prazos mais alongados. Os bônus representam agora 59% do total internacional de créditos para a região, comparado a 46% há cinco anos. Enquanto isso, a exposição dos bancos estrangeiros ("ultimate risk basis") na América Latina caiu para US$ 450 bilhões, ou 29% do total junto aos mercados emergentes, comparados a 35% há um ano. No trimestre mais recente, a saída liquida de US$ 5,1 bilhões da América Latina é atribuída sobretudo à redução em US$ 6,3 bilhões do fluxo de crédito bancário. O Brasil está longe de ter uma situação equilibrada nas contas com os bancos estrangeiros. Mas o desengajamento de US$ 4 bilhões dos bancos internacionais no país entre abril e junho foi largamente compensado pela repatriação de depósitos. Em todo caso, bancos brasileiros, ainda devedores líquidos, pesaram na nova situação, com o estoque líquido de ativos ("claims") dos bancos estrangeiros sobre as instituições do país caindo para US$ 1,5 bilhão, comparado a US$ 27 bilhões em meados de 2002. Segundo o BIS, isso ocorre como resultado do aumento de depósitos no exterior. Pelos dados da instituição, o Brasil tem US$ 58 bilhões em bancos no exterior, o México, US$ 65 bilhões, e a Argentina, US$ 20 bilhões, mas os dois primeiros ainda recebem mais créditos do que tem de fundos fora. A mais importante saída de fundos impulsionando a nova situação da América Latina como credora líquida do sistema bancário internacional ocorreu através da Venezuela, que aumentou bastante depósitos graças a alta do preço do petróleo, com US$ 18,1 bilhões líquidos (descontado empréstimos) nos bancos estrangeiros. Enquanto reduzia recursos para a América Latina, os bancos internacionais continuaram fornecendo fundos para a Ásia/Pacífico, que registrou entrada líquida de US$ 64 bilhões, graças a novos créditos bancários e repatriação de fundos. Na Europa do Leste, os haveres dos bancos internacionais aumentaram US$ 11 bilhões. Mas o que saiu de dinheiro foi ainda maior em US$ 6 bilhões, sobretudo originários da Rússia. O BIS destaca que a América Latina tem sido especialmente ativa para se beneficiar de condições "´muito favoráveis" não só para lançar mais bônus com taxas menores, mas também para alongar os prazos e em maior variedade de moedas, incluindo moedas locais. Para analistas, uma possibilidade é que empresas acabam captando mais do que necessitam e aumentam depósitos nos bancos internacionais. A América Latina registrou emissões líquidas de US$ 2 bilhões (comparado a resultado negativo de US$ 400 milhões no trimestre anterior), guiadas por instituições financeiras do Brasil e do México. O Brasil captou US$ 1,4 bilhão a mais do que amortizou. No total, os bônus brasileiros no exterior somam US$ 89 bilhões (US$ 12,4 bilhões de empresas, US$ 34,8 bilhões de bancos e US$ 41,8 bilhões do governo). A situação tem sido tão favorável que a Colômbia tornou-se o segundo país sem "investment grade" (o primeiro foi a Argentina em 1997) a emitir um bônus global em sua própria moeda, o peso, equivalente a US$ 500 milhões. Para o BIS, isso ajuda a reduzir sua vulnerabilidade em turbulências cambiais. A América Latina, sobretudo, está captando a prazos maiores. A região bateu o recorde de prazo de vencimento de bônus soberanos, com média de 16,5 anos comparado a 8,8 anos para todos os emergentes. No geral, as economias emergentes estão próximas de igualar o recorde de emissões de 1997. No terceiro trimestre, as emissões totais alcançaram US$ 38,7 bilhões, excedendo as amortizações em US$ 14,5 bilhões. A ligeira queda em relação ao período anterior, diz o BIS, não reflete falta de acesso ao mercado, e sim menor necessidade de financiamento externo, com a maioria dos países com contas correntes e fiscal "saudáveis".