Título: Novos Destinos
Autor: Eduardo Belo
Fonte: Valor Econômico, 06/12/2004, Exportação, p. F1

Quando esteve no Oriente Médio, em dezembro do ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva brincou com a tradição dos povos árabes e disse que estava ali como um "mercador", em busca de negócios. Muita gente achou graça do seu comentário. Mas um grupo de executivos do governo e de empresas que apostou na idéia de levar o Brasil para o mundo sabia que ali havia mais do que um jogo de palavras. Só a ofensiva de promoção comercial no exterior está rendendo, em 2004, US$ 12 bilhões em negócios, revela a Agência de Promoção de Exportações do Brasil (Apex), órgão responsável pela difusão da imagem dos produtos brasileiros no exterior. O número, seis vezes maior que o de 2003, é fruto de um meticuloso trabalho de prospecção e conquista de novos mercados, com o intuito de fincar a bandeira das marcas brasileiras em territórios antes desconhecidos. "O Brasil abriu a cabeça do exportador. Agora, é ele que se adapta ao mundo, não o contrário", diz José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). Segundo ele, com o aprofundamento da estratégia, milhares de empresas brasileiras descobriram que internacionalização não é só internet. "É preciso ver ´in loco´ o que é o mercado." A diversificação de mercados para os produtos brasileiros será o tema do seminário "Novos destinos para as exportações brasileiras", hoje, em São Paulo, promovido pela Apex e o jornal Valor.

Com 500 eventos ao longo do ano, entre feiras, exposições e missões comerciais, a agência levou ao conhecimento de potenciais clientes externos produtos e serviços de 13.500 empresas brasileiras, das quais muitas jamais haviam exportado. Como resultado dessa estratégia, houve crescimento de vendas para praticamente todos os mercados não tradicionais. Só para citar os exemplos mais expressivos, a Apex apurou nos últimos dois anos crescimento de 31,7% nas exportações para a União Européia, 38% para a África do Sul, 62% para o mundo árabe e de 137% para o Leste Europeu. Uma missão à China rendeu ao país negócios imediatos de US$ 462 milhões, segundo a agência. Participaram 85 empresas brasileiras, de diferentes áreas de negócio: café, carnes, frutas processadas, sucos de frutas, vinhos, cachaça, equipamentos médicos e odontológicos, móveis, software, cosméticos, pedras e gemas, equipamentos esportivos, gás e petróleo, calçados, mármore, produtos veterinários e biotecnologia. As 13 missões internacionais realizadas pela Apex entre março e setembro deste ano garantiram vendas de US$ 757,4 milhões para o país. São números como esses que ajudam a balança comercial a encerrar 2004 com superávit recorde entre US$ 32 bilhões e US$ 33 bilhões. Os números mostram que a abertura de novos mercados foi decisiva para o resultado. "De 1999 para cá, vivemos um ciclo exportador", diz o presidente da Silex Trading, Roberto Giannetti da Fonseca. "A promoção comercial tem sido fundamental para isso." Giannetti, que dirigiu a Apex entre 2000 e 2002, considera "muito válido" o esforço de promoção das exportações no varejo e o exercício da chamada "inteligência comercial" - sobretudo no cruzamento de estatísticas do comércio internacional, pelo qual a agência identifica novas oportunidades. A prova do apuro desse trabalho está na complexa estratégia elaborada para a missão à China, no meio deste ano. Ela envolveu a identificação e exploração de nichos de mercado e a divulgação da imagem do Brasil. Em seguida, com o território mapeado, a agência promoveu encontros entre as empresas brasileiras e compradores potenciais pré-selecionados. Isso permitiu que 13 setores da indústria fechassem negócios imediatos com companhias chinesas. Todo o trabalho de mapear o maior mercado do mundo serviu ainda para identificar onde o país pode buscar novos negócios, independentemente da missão comercial. Estudo do Ministério das Relações Exteriores reconheceu a existência de oito setores em condições de passar a comprar ou aumentar suas compras de produtos e serviços brasileiros: carne, construção civil, móveis, siderurgia e mineração, logística e transportes, alimentos industrializados, veículos e grãos. O governo brasileiro enxerga na China a porta de entrada para a Ásia. Os alvos principais da Apex têm sido a Rússia, Escandinávia, China, Leste Europeu, Índia, México, África do Sul, Oriente Médio, países andinos, Sudeste Asiático, Europa, Estados Unidos e o Mercosul, onde, em tese, a penetração dos produtos brasileiros deveria ser natural. Ao todo, a agência atua hoje em 54 países e possui mais de 200 projetos em andamento, que envolvem 45 segmentos da indústria e o setor de serviços. Atuando em parceria com associações da indústria, o balanço da Apex mostra crescimento expressivo nas vendas externas dos setores diretamente ligados a essas entidades. É o caso da indústria de carnes (76% de aumento), cerâmica (36%), perfumaria e cosméticos (36%), máquinas e equipamentos industriais (33%), produtos médicos e odontológicos (30%) e têxteis (26%). Os resultados desses setores mais os números da balança comercial mostram um início de mudança no perfil exportador brasileiro. Carro-chefe das vendas externas desde os tempos da colônia, os produtos básicos continuam importantes, mas seu ritmo de expansão já não é o mesmo. De acordo com a Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), em volume exportado, os produtos básicos aumentaram 13% este ano. Os manufaturados (ou industrializados), cujo valor agregado é bem maior, aumentaram 23% no mesmo período. "É a prova de que o Brasil está abrindo mercados", analisa Fernando Ribeiro, economista da Funcex. Segundo ele, o resultado indica que, mesmo na aguerrida competição global, a indústria nacional tem mostrado competitividade e capacidade de adaptação à demanda. Para José Augusto de Castro, a ida ao exterior "mostra a realidade do comércio internacional" para as empresas. A oportunidade de ter uma visão mais global acaba por criar uma cultura exportadora que o Brasil até então não tinha, uma vez que o mercado interno, grande demais, provocava certa acomodação em potenciais exportadores. A crítica que o vice-presidente da AEB faz à Apex é sobre a atuação nos Estados Unidos. Embora a agência tenha realizado ações para o mercado americano, Castro entende que o mercado dos Estados Unidos mereceria um pouco mais de agressividade. De acordo com Castro, a abertura comercial iniciada em 1990 pelo governo Collor obrigou muitas empresas a se esforçarem para concorrer no mercado internacional. Boa parte delas obteve ganhos de produtividade, melhorou a qualidade de seus produtos e passou a oferecer preços competitivos. Esse movimento ainda não havia chegado às companhias de pequeno porte, nem àquelas dedicadas exclusivamente ao mercado interno. Castro defende um aumento ainda maior da desburocratização das exportações, de modo a tornar mais viável a entrada de pequenas e médias empresas no comércio internacional. As iniciativas do governo na promoção comercial ainda não têm peso muito grande sobre o resultado da balança, mas são importantes para a consolidação de empresas no exterior, diz Tereza Fernandez, diretora da consultoria MB Associados. Ela acha que o saldo comercial deste ano está muito mais ligado a uma conjunção benéfica de fatores conjunturais, como a alta de preços de commodities no primeiro semestre, o aquecimento da economia mundial e as contingências de mercados como o de carne e soja, nos quais o Brasil soube explorar as dificuldades de outros fornecedores. Mas se a opinião geral é de que a promoção comercial vai bem, o mesmo não ocorre em setores indiretamente ligados à exportação. Os especialistas têm sérias ressalvas à infra-estrutura do país, destacando os problemas de transporte. "Estamos atrasados em relação aos concorrentes", avalia Roberto Giannetti da Fonseca. Ele entende que os problemas macroeconômicos também pesam contra o desempenho da balança. Menciona, por exemplo, "a política cambial equivocada" que prevaleceu no Plano Real até 1999, "e que corre o risco de voltar agora", referindo-se à valorização do real perante o dólar e à inação do Banco Central para solucionar o problema.