Título: Incerteza política na Turquia agrava a crise econômica
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 27/06/2006, Internacional, p. A9
A crise econômica na Turquia, o país mais afetado pela atual turbulência nos mercados, é em muito influenciada pela situação política do país. Analistas dizem que, com a aproximação de eleições, com o clima de tensão entre secularistas e religiosos islâmicos e com a divergência com a União Européia sobre o processo de adesão do país ao bloco, a Turquia terá grandes dificuldades para restaurar a confiança em seu mercado financeiro e manter a economia nos trilhos.
Numa reunião de emergência no domingo, o Banco Central do país aumentou sua taxa de juros pela segunda vez em três semanas, tentando segurar a queda da lira e controlar a inflação. A taxa básica de juros subiu de 15% para 17,25% ao ano; a de empréstimos, de 18% para 20,25%.
A moeda turca perdeu mais de 20% ante o dólar desde o começo de maio. Ajudado pelo aumento dos juros e por uma intervenção do Banco Central, a lira foi negociada ontem a 1,66 por dólar, recuperando-se de seu recorde de baixa em três anos, registrado na sexta-feira, de 1,76 por dólar.
A inflação em maio chegou a 9,9% (no acumulado de 12 meses), quase o dobro da meta do governo para este ano, de 5%.
O premiê turco, Tayyip Erdogan, e seu partido Justiça e Desenvolvimento (AK) dizem que a queda da lira é reflexo de uma queda global dos mercados emergentes, que deve passar logo. Mas analistas dizem que essa é uma visão complacente, que ignora as ansiedades políticas.
" A crise de confiança na Turquia é mais política do que econômica " , disse Wolfango Piccoli, do Eurasia Group, uma consultoria de risco político. " Mesmo que essas decisões de aumento das taxas de juros e de intervenção no mercado cambial diminuam de alguma maneira as preocupações quanto à política monetária, achamos que o governo vai precisar cuidar do que parece ser um significativo aumento do risco político. "
Uma das preocupações-chave dos investidores é com a eleição presidencial. O AK, partido de centro-direita com raízes islâmicas, domina o atual Parlamento, o qual escolherá em maio o sucessor do presidente Ahmet Necdet Sezer, que é firmemente secularista. Os secularistas do establishment militar, judiciário e acadêmico temem que o próprio Erdogan ou alguém próximo a ele se candidate e tente minar a divisão entre Estado e religião, que vem sendo estritamente respeitada há décadas. " O governo tem de achar um candidato de consenso para a Presidência " , diz Piccoli.
A Turquia está sob pressão da UE para abrir até o final do ano seus portos e aeroportos para a Chipre, um membro do bloco. Ancara, que não reconhece o internacionalmente reconhecido governo grego-cipriota , diz que a UE tem antes de levantar as barreiras comerciais contra os separatista turco-cipriotas, que apenas a Turquia apóia. Erdogan diz que prefere assumir o risco de a Turquia ter suspensa as negociações de adesão à UE do que desistir de sua posição quanto a Chipre, uma questão altamente sensível para os nacionalistas.
" O governo terá de suavizar sua retórica para evitar uma crise com a UE sobre essa questão " , diz Piccoli. Alguns analistas dizem que o governo teria de convocar eleições parlamentares antecipadas para ajudar a amainar as tensões e confirmar sua legitimidade, embora Erdogan venha repetidamente descartando essa opção. O mandato do atual Parla-mento vai até novembro de 2007.
" A lira e o mercado de títulos parecem estar hoje muito mais positivos do que na semana passada " , disse Mert Oncu, chefe de operações cambiais do Koc Bank, de Istambul. " Estamos agora esperando para ver os desdobramentos. "
" A alta de juros provavelmente irá acomodar a variação da moeda e dos mercados de títulos, mas eles terão de subir os juros de novo em julho, se levarmos em conta a previsão inflacionária " , disse Debbie Orgill, economista para mercados emergentes do ABN Amro, de Londres. " Os juros têm de estar perto da marca de 20%, já que a inflação deve subir. " O presidente do BC turco, Durmus Yilmaz, diz esperar que a inflação volte a sua tendência de declínio no médio prazo, ficando em 2007 na meta de 4%.