Título: Para evitar salto da inflação, Argentina tenta conter o dólar
Autor: Felicio,Cesar
Fonte: Valor Econômico, 26/09/2011, Internacional, p. A10

A taxa de inflação não é mais a única variável macroeconômica contestada na Argentina. Crescem as dúvidas sobre a manutenção da estabilidade cambial, uma das raras âncoras do governo para tentar impedir a escalada de preços. Desde a nova espiral de agravamento da crise externa, o peso argentino herdou do Brasil a incômoda posição de ter a maior valorização relativa na região: encerrou a semana cotado para a compra em 4,20 por um dólar, sem variação no mês, após seguidas intervenções do Banco Central Argentino que consumiram US$ 1,4 bilhão e fizeram com que as reservas internacionais baixassem de US$ 50 bilhões.

Segundo a empresa de consultoria Analytica, entre dezembro de 2009 e agosto deste ano, a Argentina apresentava a segunda maior valorização ante o dólar na América do Sul, com 8,5% na taxa de câmbio real, ante 11,5% do Brasil, cuja moeda perdeu um sexto do valor nas últimas três semanas. O relatório da empresa de economia mostra que em um ano o dólar valorizou 6%, abaixo até mesmo da inflação no desacreditado índice oficial do Indec, que aponta uma variação de preços anualizada de 9,7%.

"No Brasil, a valorização aconteceu pelo ingresso de capital. Na Argentina, porque o dólar está sendo utilizado como âncora para se tentar administrar preços internos", disse o economista Ricardo Delgado. Não só não houve ingressos como a fuga de capital este ano pode alcançar US$ 19 bilhões, número só superado, desde o início da era Kirchner, pelos US$ 23 bilhões de 2008, segundo o relatório.

Como o reajuste médio das dez principais categorias em 2011 foi de 24% a 31%, houve aumentos salariais superiores a 20% em dólar. "Não são todos os setores que perdem competitividade externa, mas os que dependem de uso intensivo de mão de obra têm um problema maior. Creio que o governo vai desvalorizar lentamente e moderar expectativas no meio sindical. Será um pouso em dois ou três anos", previu o ex-diretor do Banco Central Arnaldo Bocco, aliado da presidente Cristina Kirchner, em entrevista antes da aceleração da desvalorização cambial brasileira.

Há mais de um ano o governo assumiu com o FMI o compromisso de reformular o Indec. O órgão sofreu intervenção em fevereiro de 2007, quando crescia a preocupação do então presidente Néstor Kirchner com a indexação pela inflação de títulos emitidos na renegociação da dívida de 2005. Mas o governo tenta adiar a implantação de um índice nacional de preços para 2013. A demora fez com que o FMI fizesse uma cobrança pública ao divulgar seu relatório econômico global na semana passada. O diretor do departamento do Hemisfério Ocidental, Nicolás Eyzaguirre, disse que o FMI usará informações paralelas "enquanto a qualidade dos dados não melhorar".

O descrédito do índice de inflação oficial é tamanho que até mesmo o vice-ministro da Economia, Roberto Feletti, ao argumentar ontem em entrevista ao jornal "La Nación" que a trajetória do aumento de preços é declinante, citou as pesquisas realizadas nos âmbitos das províncias. Todas, sem exceção, apontam para um índice de inflação que é o dobro do dado oficial. A diferença varia de 22% ao ano em Mendoza a 31,5% em Ushuaia, capital da Terra do Fogo.

São variações semelhantes são apontados por empresas privadas de consultoria, que foram processadas pelo secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno. O processo, que tramita desde 2009, voltou para o primeiro plano na última quinta-feira, quando o FMI iniciou as críticas públicas do FMI ao Indec. Um juiz argentino, Alejandro Catania, determinou que os principais jornais argentinos identificassem as fontes dos jornalistas que escreveram reportagens citando dados paralelos da inflação. Catania justificou a decisão no dia seguinte alegando que pretende citar os jornalistas como testemunhas, e não réus, na ação contra as consultorias econômicas.