Título: Superávit vira cláusula pétrea no governo
Autor: César Felício
Fonte: Valor Econômico, 11/04/2006, Política, p. A10

A escolha de Guido Mantega para comandar o Ministério da Fazenda foi uma sinalização do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que, num possível segundo mandato, manterá o tripé - regime de metas para a inflação, câmbio flutuante e superávit primário de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB), mas buscará espaço para que o crescimento econômico seja superior a 4% ao ano de forma sustentada. "O superávit primário é cláusula pétrea, inclusive, para permitir o crescimento", disse um ministro próximo ao presidente Lula.

Para selar o compromisso de que a questão fiscal não será negligenciada, a área econômica do governo discute a idéia de colocar no projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que deve ser enviado ao Congresso Nacional até dia 15, a meta de superávit primário de 4,25% do PIB para 2007, 2008 e 2009.

"O presidente Lula entende que o país está estabilizado economicamente, que o trabalho do ex-ministro Antonio Palocci foi altamente positivo e que o problema político do governo, e também da oposição, agora, é mostrar como o país pode crescer com estabilidade", disse, ao Valor. O grande desafio, segundo esse interlocutor do presidente, é colocar a economia brasileira numa trajetória de crescimento bem mais robusta do que nos últimos anos. "Tem que ser de 4% ao ano para cima", sublinhou.

Nos três primeiros anos do governo Lula, o Produto Interno Bruto (PIB) expandiu, em média, 2,59% ao ano. Nos oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso, a média anual foi de apenas 1,97%. Se a economia crescer 4% este ano, como previu o Banco Central, a média da gestão petista subirá para 2,94%.

Apesar da ênfase que se quer dar ao desenvolvimento, o governo Lula não abrirá mão do tripé com o qual conduziu a política econômica nos últimos três anos: a geração de superávits primários, o combate à inflação por meio do sistema de metas, com autonomia para o Banco Central fixar a taxa de juros, e a vigência do regime de taxas de câmbio flutuante. Até porque foi com esse conjunto de política macroeconômica que o governo do PT acumulou um estoque de credibilidade e pretende, se reeleito, fazer uma inflexão na direção do crescimento econômico sem queimar esse capital.

É avaliação corrente no governo, no entanto, que Palocci "exagerou" ao fazer um superávit superior ao exigido pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), assim como se avalia, no Palácio do Planalto, que o Banco Central também exagerou na dosagem da taxa de juros. "O FMI exigia 3,75% do PIB e nós aumentamos para 4,25%. No ano passado, fizemos 4,84% do PIB", assinalou um auxiliar do presidente. De fato, na média o superávit primário entre 2003 e 2005 foi de 4,6%. "Agora, não podemos fazer menos do que 4,25% do PIB. Esse percentual transformou-se num piso", avaliam outros assessores do presidente da República.

O que ainda não está claro, dentro do governo, é como Lula pretende colocar a economia numa rota de crescimento mais acelerado, caso seja reeleito em outubro. Essa é uma discussão que ainda será travada pelos principais quadros do governo que desempenharão papel relevante na campanha eleitoral e no debate das questões econômicas.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, terá função importante nessa formulação para o eventual segundo mandato. Segundo um ministro, Guido "é o homem do presidente para a economia, com apoio total. É também interlocutor junto ao PT na formulação de propostas para o governo". A diferença, em relação ao papel crítico que desempenhou no passado em relação à política econômica, é que agora Mantega está, segundo fontes, comprometido com o princípio da estabilização.

Ao longo de sua trajetória como assessor de Lula no PT, Guido Mantega defendeu a adoção de políticas com maior ênfase no crescimento e menor na estabilização. Nomeado ministro do Planejamento no início da gestão Lula, tornou-se um aliado de Palocci na defesa da austeridade fiscal. Alçado posteriormente, com o apoio de Palocci, à posição de presidente do BNDES, Mantega passou a divergir da condução da política monetária, criticando os juros altos.