Título: Dívida externa cresce, mas risco é baixo
Autor: Travaglini,Fernando
Fonte: Valor Econômico, 26/09/2011, Finanças, p. C8
Apesar de sua posição de credor externo líquido, devido ao tamanho das reservas acumuladas nos últimos anos, o Brasil ampliou de forma importante sua dívida no exterior, desde o início da crise. O passivo de empresas, bancos e governo em moeda estrangeira passou de US$ 198 bilhões, em 2008, para US$ 297 bilhões em julho desde ano, uma alta de 50%, de acordo com levantamento feito pelo economista-chefe do banco Credit Suisse, Nilson Teixeira.
A alta recente do endividamento externo traçou um novo desenho para a dívida. O estoque ficou mais concentrado no setor privado, com grande crescimento da parcela captada pelos bancos, principalmente com prazos acima de um ano. Além disso, a maior parte da dívida (60,5%) está atrelada a juros fixos e houve uma forte redução do serviço da dívida - de 10,9% do PIB, em 2002, para 2,3% do PIB em julho deste ano.
Esse novo perfil da dívida, que ganhou esses contornos nos últimos anos, favorece a posição brasileira em meio a crise internacional, acredita Teixeira. "Apesar do aumento da dívida externa desde 2009, a probabilidade de significativa deterioração da capacidade de pagamento da dívida externa do País parece reduzida, mesmo no caso de um maior aumento da aversão ao risco dos investidores", diz Teixeira
Ele também não acredita em risco para o refinanciamento dessas dívidas, caso o cenário internacional não seja tão drástico. "Se trabalharmos com um cenário em que essa situação permaneça por alguns anos, a capacidade de rolagem fica comprometida. Mas em um cenário em que os problemas sejam provisórios, digamos por um ano, a dificuldade para se financiar será muito pequena", pondera.
Ele alerta, no entanto, que num cenário mais crítico, o BC poderia se valer das reservas internacionais para socorrer as empresas. Como lembra o economista, as reservas internacionais alcançaram US$ 352 bilhões em 19 de setembro, valor superior ao total da dívida externa (US$ 297,1 bilhões, volume que não considera os empréstimos intercompanhias). O índice de reservas por dívida externa aumentou de 18,0%, em 2002, para 116,5% em julho deste ano.
Evidentemente, avalia Teixeira, o valor em dólar dessas dívidas deve crescer durante a crise, quando convertidas em reais, dado que o dólar já ganhou 14,81% no mês. "É óbvio que tem um custo. Por mais hedge que as empresas e bancos tenham, é natural que tenha alguma consequência negativa. Mas não parece nada parecido com que se observou em 2008", avalia.
Ele diz ainda que boa parte dessa dívida foi contraída recentemente e o dólar médio dessas captações deve estar em torno de R$ 1,8, patamar próximo à cotação atual - o dólar fechou a sexta-feira cotado a R$ 1,829. "Tem um custo, mas não é nada expressivo. É razoável trabalhar com a hipótese que parte desse movimento do dólar é um "overshooting" e que terá algum retorno".
Ele pondera que isso depende do desempenho do cenário global, já que uma crise mais grave pode manter o processo de depreciação do real por um período mais longo. "Caso haja uma deterioração rápida na Europa e um cenário de recessão nos Estados Unidos, é provável que as moedas de países emergentes se depreciem mais um pouco", diz.
Um destaque observado pelo economista é a elevação da dívida dos bancos, que passou de US$ 74,2 bilhões, em 2008, para US$ 137,3 bilhões, em julho deste ano. Segundo ele, os prêmios cobrados para as emissões caíram muito no exterior e estimularam as captações. Parte desses recursos serviu para irrigar o mercado doméstico de crédito. "Os bancos devem aproveitar essa oportunidade".
Uma das características que hoje dão segurança ao passivo externo é o alongamento das dívidas. A parcela acima de um ano foi a que mais cresceu neste ano, como consequência direta da medida do governo que taxou empréstimos abaixo de 720 dias.
O economista pondera, no entanto, que para continuar o processo de melhora do perfil da dívida seria necessário retirar duas outras taxações impostas pelo governo: o IOF para aplicações de estrangeiros em renda-fixa e também o IOF do mercado de derivativos.
"Seria fundamental o governo retroceder nessas medidas, ainda mais nesse momento. Entendo a motivação, mas o IOF reduziu de maneira expressiva a demanda por títulos de longo prazo. Nessa busca de melhoria do perfil, seria importante, ainda mais nesse momento, que o governo voltasse a isentar a compra de títulos por estrangeiros", afirma.
Segundo ele, apesar da dificuldade do cenário internacional, o investidor externo ainda tem apetite por papéis brasileiros. A volta desses aplicadores poderia alongar a dívida e também reduzir as taxas de juros de mais longo prazo, que hoje estão elevadas justamente pelo movimento de saída de fundos estrangeiros. "Ainda há uma demanda expressiva por conta do diferencial de juros, que ainda é muito importante."