Título: Salva por enquanto
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 09/09/2010, Mundo, p. 24

Irã suspende e revisa sentençade\"viúva adúltera\" condenada ao apedrejamento. Ativistas e Itamaraty reagemcom cautela

As palavras de RaminMehmanparast, porta-voz da chancelaria iraniana, trouxeram alívio momentâneo a ativistas de direitos humanos, mas também preocupação.

Overedicto sobre o caso extramarital foi paralisado e está sendo revisado, afirmou, por telefone, à emissora estatal PressTV. Ramin se referia à iraniana SakinehMohammadi-Ashtiani, uma viúva de 43 anos e mãe de dois filhos, acusada em 2006 de manter relação ilícita com dois homens após a morte do marido, umano antes. A acusação de homicídio está sendo investigada, a fim de que o veredicto final seja divulgado, acrescentou o portavoz.

Ele considerou o caso muito normal e assegurou que o dossiê se parece com muitos outros existentesemoutrospaíses.Também disse que defender uma pessoa acusada de assassinato não deveria ser transformado em assunto de direitos humanos.

Vahid Karemzadeh, membro da Comissão de Direitos Humanos islâmica, confirmou que a sentença de morte foi suspensa sob ordens do chefe do Judiciário e não será aplicada no momento.

Em entrevista ao Correio, por telefone, o iranianoMahmood Amiry-Moghaddamporta-voz da organização não governamental Iran Human Rights considerou a declaração de Amim muito alarmante. Ele lembra que Sakineh já cumpre uma condenação de 10 anos por cumplicidade no assassinato do próprio marido. O veredicto final já foi dado.Oregime pode estar pretendendo converter a sentença de apedrejamento para enforcamento, alertouMahmood.

Oativista teme que o aparente recuo de Teerã crie uma perspectiva de falso otimismo. No momento em que a pressão internacional sobre o caso for aliviada, a vida de Sakineh estará emperigo ainda maior que antes, advertiu.

Enquanto a pressão se mantiver intensa, haverá esperança de salvála.Mas relaxar a cobrança seria muito perigoso, acrescentou Mahmood. Sakineh divide a cela com cerca de 40 sentenciadas à morte na prisão de Tabriz, no norte do Irã. Seu advogado,Mohammad Mostafaei, vê a suspensão do apedrejamento como uma pequena vitória. Qualquer decisão nova é uma decisão, admitiu à reportagem, por telefone, de Paris. Estamos procurando resolver o maior problema aqui: o fim da lapidação comopenacapital, comenta.Questionado se a suspensão do veredicto pode abrir precedente nesse sentido,Mostafaei demonstra ceticismo. No Irã, as coisas não funcionam dessa forma. O que importa lá é a lei (sharia) que está no papel, reforça o defensor, hoje exilado naNoruega.

Sobrevivente Entre 1979 e 1981, a escritora Marina Nemat vivenciou o drama de Sakineh. A Justiça iraniana até imputou-lhe uma pena por fuzilamento, emumjulgamento à revelia, sem sua presença. Ela escapou da morte para se unir ao coro na luta pelos direitos humanos no Irã.Marina não tem dúvidas de que a mãe de Sajjad, 22 anos, e Farideh, 17, estaria morta, caso Teerã não sofresse tamanha pressão internacional. O que Sakineh tem sofridochicotadas, ameaça constante de morte e execuções simuladas é um testemunho da crueldade do regime iraniano, afirma. Se decidirem poupar a vida dela, as autoridades dirão ao povo que são misericordiosas. Sakineh jamais poderia ter sido colocada nessa situação horrível, emenda.

A suspensão do veredicto foi confirmadaumdia após oMinistério das Relações Exteriores do Irã ter pedido que outros países deixem de interferir no caso Sakineh.

Exilada em Londres, a iranianaMaryam Namazie, portavoz domovimento Solidariedade do Irã, refuta esse apelo. Nós não pararemos nossa campanha até que Sakineh esteja livre e com seus filhos amados, e até que as execuções cheguem ao fim em meu país natal, afirma, por e-mail. Maryam concorda que Sakineh só está viva por causa do clamor público. Mas ela não estará segura até que seja libertada e tenha suas sentenças anuladas, alerta. Apesar de duvidar da proscrição do apedrejamento, a ativista aposta que o repúdio e a atenção mundiais têm tornado a lapidação uma sentença cara demais para o regime iraniano.

A mesma opinião tem os ministros italianos Franco Frattini (das Relações Exteriores) eMara Carfagna (da Igualdade deOportunidades).

Em nota conjunta, ambos afirmaram que o anúncio de Teerã é resultado de uma mobilização internacional de governos e opiniões públicas e de um importante sinal de racionalidade de parte das autoridades iranianas.