Título: Na FGV, câmbio 'ideal' para o mercado local ganha defesa
Autor: Neumann,Denise
Fonte: Valor Econômico, 27/09/2011, Brasil, p. A4
O Brasil precisa perseguir uma taxa de câmbio que dê competitividade à indústria nacional para concorrer com os bens importados no mercado doméstico, evitando a desindustrialização em curso da economia brasileira. Essa taxa, contudo, não pode ser tão apreciada a ponto de tornar o país uma plataforma de exportações de manufaturados capaz de competir em outros mercados com os países asiáticos, China principalmente.
Essa alternativa não está mais a disposição do Brasil, que precisaria pagar um custo interno muito elevado - em termos de inflação e de perda de poder de compra da população - com essa escolha. Embora não consensual, essa percepção do modelo de crescimento que o Brasil deve perseguir foi predominante ontem entre os participantes do 8º Forum de Economia da Fundação Getulio Vargas, coordenado pela Escola de Economia de São Paulo da FGV.
O principal tema do painel de abertura do evento foi justamente em torno da existência de um "regime de política econômica voltado para o crescimento sustentado". Para os participantes, os primeiros nove meses de governo da presidente Dilma Rousseff trouxeram sinais de mudança. Para alguns, elas (as mudanças) vieram na direção correta de abrir espaço para uma taxa de juros menor e também algum controle de capitais, que permita ajustar a volatilidade da taxa de câmbio e inibir movimentos especulativos nesse mercado. Para outros, a presidente reforçou a política fiscal expansionista que marcou o governo de Luiz Inácio Lula da Silva e admitiu mais inflação do que deveria.
Entre os que defenderam um modelo econômico sedimentado no mercado interno estão os professores Yoshiaki Nakano, diretor da Escola de Economia de São Paulo da FGV, e Ricardo Carneiro, da Unicamp, e o empresário Benjamin Steinbruch, vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e presidente da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN).
"A economia brasileira vai ser comandada pelas expectativas de consumo interno, não vejo como o crescimento possa ser comandado pela exportações", disse Nakano. "Se o valor for conflitante, devemos olhar um câmbio que mantenha nosso mercado interno e sacrificar as exportações [de manufaturados]", disse Steinbruch. "Pela primeira vez temos um mercado interno forte e podemos crescer com isso", acrescentou.
Carneiro, da Unicamp, trouxe um dado para o debate que, na sua avaliação, indica o custo que o país deveria pagar para se tornar uma potência exportadora - o salário hoje vigente na China corresponde a um custo de US$ 1,55 a hora. No Brasil, com câmbio a R$ 1,70, o salário/hora é de US$ 4,86. Para equilibrar o custo salarial do Brasil ao chinês seria necessário uma taxa de câmbio de R$ 5 a R$ 5,50 por dólar.
O tamanho da taxa de câmbio "boa" para manter o mercado interno aquecido, mas mais abastecido por produtos "made in Brazil" e menos pelos importados não é consenso. Para o professor Luiz Carlos Bresser-Pereira, o "teto" da taxa deveria ser R$ 2,20 a R$ 2,30. Nakano acho que a indústria hoje convive com outro câmbio e talvez nem o R$ 1,90, no qual a taxa rondou na semana passada, seja necessário, mas ele não crava um valor. Steinbruch também é vago: "Nem R$ 1,50, nem R$ 2,50", disse no evento. Depois, para a imprensa, relatou que "R$ 2 é ótimo para o exportador", mas esse patamar "tem um lado bom, e um lado ruim". De qualquer forma, disse, "uma puxada brusca como a da semana passada é sempre ruim".
Junto com o relativo consenso em torno de uma nova taxa de câmbio, mais competitiva, os presentes também concordaram que a correção dessa variável depende do eterno companheiro - a taxa básica de juros.
Fernando Holanda Barbosa, da FGV, ponderou que o Banco Central ganhou novas funções durante os nove meses do comando de Alexandre Tombini. "Não mudou o regime, mas mudou a função de reação do Banco Central", disse ele, referindo-se à maior preocupação com o crescimento.
Para o ex-ministro Antonio Delfim Netto, o governo de Dilma trouxe algumas mudanças, e uma delas é uma ênfase maior no crescimento. Nesse momento, de forte crise mundial, diz, é uma percepção correta. Mas, além disso, ele também identifica uma melhor coordenação entre as políticas monetária e fiscal e a busca de um modelo que incentive a competição interna com maior proteção externa.
Se o presidente do BC recebeu elogios do presidente da CSN pela "coragem" de baixar juros, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, foi contemplado com outra boa avaliação. ""Esse governo não toma medidas bruscas, fortes, violentas, mas ele [o ministro Mantega] definiu uma direção e tem clareza dos problemas", disse Nakano. Em seguida, ressaltou que o Brasil, ainda que continue com uma das mais altas taxas de juros, já aprendeu "que precisa fazer um controle de capitais de algum modo".
O professor José Luis Oreiro, da Universidade de Brasília, é bem menos otimista em relação à condução atual da política econômica. Ele classificou o atual modelo como "desenvolvimentismo inconsistente". Para ele, a atual política econômica busca equilibrar objetivos incompatíveis, entre eles a obtenção simultânea da estabilidade da taxa real de câmbio e da estabilidade da taxa de inflação.