Título: Machos recebem até uma papinha reforçada para crescerem saudáveis
Autor: Raquel Balarin
Fonte: Valor Econômico, 21/06/2006, Especial, p. A12

O cheiro fica impregnado na roupa, nos cabelos, no ambiente. São os feromônios, substância química que o macho libera para atrair as moscas fêmeas. "É o cheiro do amor", brincam os funcionários da Moscamed Brasil. Além do feromônio, o macho também chama seu par com uma espécie de zumbido. E a biofábrica capricha para que ele tenha um zumbido forte, saudável. "Temos de cuidar do controle de qualidade para produzir super machos estéreis, atraentes para as fêmeas selvagens", explica, brincando, o presidente da Moscamed Brasil, Aldo Malavasi.

A sala onde estão as gaiolas de acasalamento - e de onde sai o cheiro forte - é o coração da biofábrica instalada em Juazeiro. São 20 gaiolas, com 40 mil moscas cada. Em uma primeira fase, há uma proporção de uma fêmea e meia para cada macho. Em dois meses, a proporção deve ser aumentada para cinco fêmeas para cada macho, com o objetivo de ampliar a coleta de ovos.

As gaiolas são feitas de perfis de alumínio, desenvolvidos pela Alcoa especificamente com esse objetivo. Nas laterais, há telas, que facilitam a saída dos ovos, coletados em bandejas forradas com uma espécie de tecido úmido. Os casais ficam nessas gaiolas de dez a quinze dias e cada cópula pode levar meia hora. Nesse período, o macho fica jogando esperma dentro da fêmea, que vai ficando gordinha.

Os ovos são coletados diariamente. Os tecidos são lavados cinco vezes para que não se perca nenhum ovo. Depois disso, passam por um processo de aeração que dura 48 horas e vão para uma dieta de engorda. Uma papa com bagaço de cana, farinha, levedo de cerveja e proteína é carinhosamente preparada para que o ovo vire uma larva saudável em oito a dez dias. A sala onde ficam as bandejas das papas com as larvas é considerada a etapa mais repugnante do processo, que inclui ainda banho-maria para matar as fêmeas e coloração de pupas .

Há salas específicas para cada etapa do processo e a temperatura ambiente é controlada por um sofisticado sistema de ar condicionado que consumiu R$ 1,5 milhão e que contribui para que a conta de energia da biofábrica alcance R$ 20 mil mensais.

Por conta do orçamento apertado, boa parte dos equipamentos utilizados na Moscamed foram desenvolvidos internamente. Uma equipe criou as gaiolas de perfis de alumínio e outra, de estudantes, desenvolveu um aeromodelo monitorado por controle remoto para a liberação das moscas nas fazendas. "Outras fábricas no mundo usam aviões normais, mas, com o aeromodelo, o custo de liberação cai para 1%", explica Rodrigo Eduardo Viana, supervisor de campo da Moscamed.

O aeromodelo básico, que leva em seu tanque 450 gramas de moscas adultas (suficiente para uma área de 18 hectares), custa R$ 4 mil. Sua capacidade é de até 8 quilos de moscas. Os estudantes trabalham ainda no desenvolvimento de dois outros modelos - um médio, com câmera, e outro grande, que terá câmera e GPS e poderá liberar moscas para uma área de até cem hectares.

Os funcionários da biofábrica falam com orgulho dos aeromodelos, totalmente desenvolvidos ali. No dia da visita da reportagem do Valor, um grupo de terceira idade que conhecia a fábrica, formado majoritariamente por mulheres, vibrou com as manobras dos estudantes que pilotavam os pequenos aviões a partir de controles remotos.

O terreno onde está instalada a biofábrica é grande (60 mil metros quadrados) e já prevê ampliações. Há um galpão, por exemplo, que poderá vir a ser aproveitado para a produção de 15 milhões de lagartas da maçã por semana. A Cydia pomonella atinge as macieiras do sul do País e sua produção na biofábrica tem uma vantagem: se houver algum escape, a lagarta não sobrevive às altas temperaturas do Nordeste. De acordo com Aldo Malavasi, uma missão formada por representantes do Ministério da Agricultura, da Moscamed e da Associação Brasileira de Produtores de Maçã irá para o Canadá entre julho e agosto para avaliar se vale mais a pena importar as lagartas ou produzi-las aqui.

Outra produção já prevista para a biofábrica é a da D. longicauda, um parasitóide das moscas-das-frutas. O longicauda utiliza a larva (o conhecido bicho de goiaba) para se alimentar. Poderão ser produzidos pela Moscamed até 5 milhões de parasitóides por semana.

A Moscamed é uma organização social ligada ao Ministério da Agricultura. A empresa pode ser operada como na iniciativa privada e ter lucro na venda das moscas, mas não pode distribui-lo. O resultado tem de ser reinvestido no negócio. (RB)