Título: Com crédito, preço de imóveis pode subir
Autor: Raquel Balarin
Fonte: Valor Econômico, 22/06/2006, Brasil, p. A2

A imprensa em geral não está atenta a um efeito importante do aumento da oferta de crédito para aquisição de imóveis residenciais - a possibilidade de elevação dos preços. Alguns profissionais do setor já verificam essa tendência nos últimos meses. Pesquisa da Empresa Brasileira de Estudos do Patrimônio (Embraesp) indica que, nos 168 lançamentos residenciais de janeiro a maio de 2005 na região metropolitana de São Paulo, o preço médio por metro quadrado de área útil era de R$ 2,866 mil. No mesmo período deste ano, o preço médio dos 112 lançamentos subiu para R$ 3,265 mil - alta de 14%. Nos 12 meses encerrados em maio deste ano, o Custo Unitário Básico (CUB), índice da construção, subiu 3,75% e a inflação medida pelo IPCA foi de 4,23%.

Um lançamento em especial pode distorcer esses números. O Parque Cidade Jardim, da JHSF, um empreendimento de luxo com 150 apartamentos lançado em maio, tem preço médio por metro quadrado de R$ 10 mil. Mas, mesmo excluindo-o, é possível verificar a tendência de alta dos preços. Em 2005, conforme ressalta Samantha Furlan, da Embraesp, houve um grande número de lançamentos de alto padrão, que tem um valor mais elevado de metro quadrado por conta das benfeitorias e da localização do terreno. Neste ano, há uma retomada dos empreendimentos para a classe média baixa. Na prática, isso significa que o preço médio do metro quadrado deveria estar caindo - e não está.

Dois fatores estão contribuindo para essa movimentação dos preços, especialmente no segmento até R$ 200 mil. A primeira é a valorização dos terrenos. A captação de recursos de grandes incorporadoras que abriram seu capital em bolsa permitiu que elas passassem a pagar os terrenos em dinheiro vivo. Antes, muitas operações eram feitas com permutas. Na rua Carlos Weber, zona oeste de São Paulo, a alta do terreno levou a um aumento no preço do metro quadrado dos imóveis de 2,5 mil no fim do ano passado para R$ 3 mil hoje. "O reflexo desses aumentos vai ficar mais claro no segundo semestre", disse o diretor da imobiliária Lopes, Tomás Salles, à repórter Carolina Mandl.

De janeiro a maio, preço do metro quadrado subiu 14% em SP Mas o principal motivo para a valorização dos imóveis novos é, sem dúvida, a maior oferta de crédito. Como os compradores têm mais opções para financiar a aquisição, os incorporadores conseguem aumentar a gordura nos preços sem prejudicar as vendas. Foi isso o que grandes investidores estrangeiros como a Prudential Real Estate, a TishmanSpeyer e a Hines analisaram ao decidir por investimentos no país. Foi também isso que fez o banco Pactual, acostumado a lidar com ações, títulos públicos e outros ativos financeiros, a decidir investir seu excedente de recursos no mercado imobiliário. No ano passado, o Pactual - que atua em parceria com empresas como RJZ e Cyrela - foi o segundo maior incorporador do país. E os resultados têm estimulado os banqueiros do Pactual a continuar investindo no setor.

O desempenho recente e as perspectivas indicam que o setor imobiliário é um bom investimento. Mas o investidor comum, aquele que aplica o dinheirinho que sobra no fim do mês em um fundo de investimento, não deve se iludir. Por enquanto, são os incorporadores que estão ganhando. Nem de longe o quadro se assemelha ao que ocorreu em anos recentes nos Estados Unidos e em mercados como o do México, em que as pessoas tomavam financiamentos e a valorização do imóvel mais do que compensava os juros pagos na aquisição. A taxa de juro no Brasil ainda é muito alta. E quem toma um financiamento de 15 ou 20 anos está amarrado a essas taxas. "A perspectiva de queda na taxa de juro é o que tem levado muitos bancos a voltar a financiar imóveis. Eles querem garantir esses percentuais para o futuro", diz um executivo do setor financeiro. Ele ressalta, porém, que no médio prazo é possível que ocorram operações de refinanciamento, em que um banco oferece uma taxa mais baixa para o mutuário que quiser quitar o financiamento concedido por outra instituição por uma taxa mais elevada.

Nos últimos meses, o crédito imobiliário não pára de crescer. De janeiro a maio, houve um aumento de 92,2% no número de unidades financiadas com recursos da poupança, em relação ao mesmo período do ano passado. Em volume de recursos, o aumento foi de 94,64%, para R$ 3,26 bilhões - a despeito de a caderneta registrar uma captação líquida negativa de R$ 7,7 bilhões no acumulado do ano, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).

Uma análise mais atenta dos números revela dados curiosos. O saldo de financiamentos imobiliários tem crescido mais entre os bancos públicos - 23,9% nos 12 meses encerrados em abril, segundo levantamento do Banco Central. Nos bancos privados nacionais, o estoque cresceu só 3% no período, para R$ 5,4 bilhões. O saldo de financiamentos dos privados estrangeiros - entre eles Santander, ABN AMRO Real e HSBC - aumentou 12%, para R$ 3,28 bilhões.

Há duas explicações para o aparente conservadorismo dos bancos nacionais. A primeira é a de que eles usam créditos junto ao Fundo de Compensação das Variações Salariais (FCVS) para cumprir a exigibilidade de aplicação de recursos da poupança em financiamentos habitacionais. Na década passada, o Proer (programa de recuperação do sistema financeiro) permitiu que mesmo bancos que vendessem esses créditos para instituições em liquidação continuassem usando os saldos para cumprir a exigência de aplicação de recursos. Os dois maiores bancos privados do país, Bradesco e Itaú, fizeram esse tipo de operação. A segunda explicação para o conservadorismo é a de que os bancos privados nacionais não precisam do crédito imobiliário para ganhar mercado. Já os estrangeiros, que querem crescer no país, vêem no financiamento habitacional uma maneira de ganhar um cliente por um prazo longo, com grandes chances de, no meio do caminho, vender a esse mutuário outros produtos, como seguros e fundos de investimento.

Há quem aposte que o setor imobiliário passa por sua mais profunda mudança dos últimos 25 anos. Vale a pena ficar de olho.