Título: Fracasso deve dar estímulo à negociação Sul-Sul
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 22/06/2006, Brasil, p. A4

Se a Rodada Doha fracassar no fim de julho, a negociação Sul-Sul, que ocorre na Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) pode se transformar no único instrumento para estimular rapidamente as exportações do Brasil, Argentina, Índia e outros emergentes.

A negociação Sul-Sul é realizada através do Sistema Global de Preferências Comerciais (SGPC), mecanismo da Unctad que prevê troca de concessões tarifárias entre países em desenvolvimento, e, portanto, sem estender as mesmas preferências aos países ricos.

No momento, essa negociação está em compasso de espera. Os países estão concentrados na OMC. "Mas se a Rodada Doha não der resultado, queremos que o SGPC funcione rapidamente", diz o embaixador da Argentina na OMC, Alberto Dumond. Está prevista para setembro uma reunião de alto nível para discutir as próximas etapas da negociação Sul-Sul. O Mercosul flutuou a idéia de corte das tarifas em 25% entre os cerca de 40 países participantes.

Um acordo Sul-Sul é possível, ainda mais que a China, o grande temor de todos os outros emergentes, não participa. Portanto, a concessão tarifária que o Brasil der à Índia não será estendida para a China. O outro lado da moeda é que o país não terá acesso preferencial ao mercado mais cobiçado do planeta.

Ao mesmo tempo, o governo brasileiro tende a impulsionar entendimentos com Índia e África do Sul através do chamado Ibas (Índia, Brasil, África do Sul). Haverá um grande encontro em meados de setembro, em Brasília, entre os três países, com comércio no centro da agenda.

Mesmo no caso de fiasco das negociações de julho na OMC, contudo, dificilmente algum governo vai anunciar o falecimento da rodada. É um pouco como aconteceu com a Área de Livre Comércio da América (Alca), que não prosperou, mas até hoje não está abandonada de vez.

O mais provável é que os governos, enquanto se acusam mutuamente, vão continuar dizendo que vão continuar discutindo. Do lado brasileiro, uma reação oficial pode levar algum tempo. Provavelmente só no próximo governo no Brasil é que se pode esperar uma nova estratégia.

Certo mesmo é que os Estados Unidos têm insistido que sua própria estratégia contempla fortemente acordos bilaterais, para assegurar preferências a suas empresas em mercados importantes. A União Européia vai abrir negociações com países da América Central e não esconde o interesse por acordos com países asiáticos.

O Japão, que por décadas resistiu a esse tipo de acordo, está acelerando as iniciativas por pressão de suas empresas. A China também amplia as negociações bilaterais. A Índia está em negociações com a Asean (países do Sudeste Asiático) e pode baixar suas tarifas industriais para 5% até 2009 nesse contexto.

Pascal Lamy, diretor-geral da OMC, tem insistido, até para pressionar os governos, sobre os riscos para o sistema multilateral no caso de fiasco até julho. Primeiro, perde-se o que já está na mesa de negociação, que não é sem importância no corte de tarifas e subsídios. Segundo, pode de fato ocorrer a explosão de entendimentos bilaterais. As disputas comerciais vão aumentar, entre elas uma contra os subsídios agrícolas dos Estados Unidos.