Título: Governo pode debater acordo mínimo
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 22/06/2006, Brasil, p. A4

O assunto é quase um tabu no governo brasileiro - que prefere apostar no sucesso dos esforços para destravar as negociações de liberalização comercial -, mas a convocação dos empresários nacionais, no segundo semestre, para decidir sobre um possível acordo mínimo de liberalização de comércio, está entre os diversos cenários discutidos pela diplomacia para o futuro das discussões na Organização Mundial do Comércio (OMC). Na próxima semana, em Genebra, o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, reunirá ministros de até 30 países, escolhidos entre os 150 sócios da organização, para tentar um acordo que resolva os impasses que bloqueiam a negociação.

A negociação só sairá do impasse em que está se os ministros concordarem em uma fórmula e percentuais de redução das tarifas que criam barreiras às importações de produtos agrícolas e industriais e dos subsídios que criam vantagens a produtores agrícolas e distorcem as condições do comércio mundial. É esse o objetivo da reunião de Lamy, e de outra provável reunião, ainda em julho, caso essa fracasse.

Se não se atingir um acordo até o fim do ano, é forte a possibilidade de paralisação das negociações. Em 2007, o governo dos EUA perderá a "trade promotion authority" (TPA), permissão do Congresso para assinar acordos comerciais sem risco de emendas no parlamento. Sem acordo na OMC até o fim de 2006, não haverá tempo de firmar um texto a tempo de aprová-lo no Congresso americano, sob a TPA.

Pouco otimista, o governo brasileiro reacendeu expectativas com a notícia de que Pascal Lamy voltou dizendo-se mais otimista da viagem mais recente a Washington. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem insistido na necessidade de uma intervenção "política" dos chefes de Estado, para que dêem novas instruções aos negociadores. O governo brasileiro acredita ser possível discutir essas novas instruções na reunião, em julho, do G-8 (Alemanha, Canadá, França, Estados Unidos, Grã-Bretanha, Itália, Japão e Rússia) com seis países em desenvolvimento, entre eles Brasil, Índia e África do Sul, que lideram o grupo dos emergentes nas discussões da OMC.

A possibilidade de que os líderes também não tenham como mudar as posições adotadas pelos países na OMC em tão pouco tempo, faz com que o governo brasileiro explore cenários alternativos, inclusive o fim da rodada sem nenhum acordo. Como acredita-se que os países farão um esforço para chegar a um texto consensual, como forma de evitar a desmoralização do sistema multilateral de comércio e da própria OMC, uma possibilidade forte é a de que os governos tentem um acordo mínimo, "pouco ambicioso", no jargão de Genebra, em que tentariam pelo menos assegurar que não haveria retrocessos no regime comercial existente.

No caso desse "desfecho negociado sem ambição", segundo um experimentado diplomata brasileiro, o governo chamaria os líderes do setor industrial e do agronegócio, para consultá-los sobre o rumo a tomar. A questão a ser apresentada aos empresários e produtores rurais será: o país recusará qualquer acordo que não corresponda às expectativas de grandes avanços na OMC, ou deve aceitar o acordo mínimo, para consolidar os tímidos avanços da negociação e evitar retrocessos, como aumento de tarifas e subsídios?

No Itamaraty, comenta-se que não serão adotadas estratégias de negociação que não contem com o apoio forte do setor privado. Os representantes dos produtores agrícolas, respaldados por sólida assessoria do Ícone, um centro de pesquisas criado para dar apoio técnico ao setor, tem rejeitado qualquer proposta de concluir a rodada sem uma derrubada substancial das barreiras e subsídios agrícolas existentes.

No caso de concordância com um acordo nos moldes hoje delineados na OMC, o Brasil deixaria claro que o objetivo da rodada teria passado a ser o de impedir retrocessos, não o de alcançar os avanços desejados. Nesse caso, as concessões a serem feitas pelos países em desenvolvimento também seriam mínimas, limitando-se a compromissos de evitar aumento de barreiras comerciais.

Apesar das compreensíveis queixas contra a resistência dos Estados Unidos e da União Européia em modificar seus sistemas de tarifas e subsídios agrícolas, as negociações já fizeram com que ambos se movessem e se comprometessem com reduções nos níveis de subsídios que a OMC os autoriza a conceder aos produtores rurais.

Com poucos avanços, como o compromisso formal de eliminar os subsídios à exportação em agricultura, os compromissos anunciados até agora pelos governos americano e europeus se limitam ao que o jargão de Genebra classifica de "cortar água", ou seja, reduzir os tetos autorizados pela OMC, sem cortar ou reduzir substancialmente as tarifas e subsídios efetivamente praticados.

O temor, no governo, é que mesmo os tímidos compromissos anunciados por europeus e americanos possam ser desfeitos, por força dos crescentes lobbies protecionistas, ativos principalmente no Congresso dos EUA. Por isso não se descarta a hipótese de garantir, agora, um acordo que impeça o aumento de tarifas e subsídios além dos níveis praticados, em troca de compromissos também de manutenção de tarifas industriais e aberturas já existentes para fornecedores estrangeiros de serviços.

O acordo "pouco ambicioso" é uma idéia com poucos simpatizantes no setor privado, que terá peso importante na decisão do governo. A depender dos resultados das reuniões nas próximas semanas, poderia se fortalecer até a alternativa oposta, de esticar as negociações, para manter a pressão internacional sobre os governos dos países ricos às voltas com interesses protecionistas. O ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, levará todos esses cenários a Genebra, para a reunião presidida por Lamy.