Título: Decisão do TSE leva governo a adiar MPs de reajuste a servidores
Autor: Claudia Safatle, Juliano Basile e Paulo de Tarso L
Fonte: Valor Econômico, 22/06/2006, Política, p. A5

O governo suspendeu a edição de todas as medidas provisórias que tratam de reajuste salariais e reestruturação de carreiras no setor público, até ter clareza jurídica sobre a decisão de ontem do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que considerou, ao responder uma consulta, que o governo está proibido de conceder reajuste para os servidores públicos desde 4 de abril passado. A regra foi estabelecida pelo TSE, nesta manifestação, com base no artigo n 73 da lei eleitoral.

A medida provisória de 90 páginas, que seria assinada ontem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, concedendo correção de salários, pagamento de passivos trabalhistas e novos planos de carreira para cerca de 260 mil funcionários (da Seguridade Social, Inmetro, Fiocruz, IBGE e pessoal da área de tecnologia militar, entre outros) foi recolhida. O governo, agora, espera um pronunciamento formal da Advocacia Geral da União (AGU) sobre a decisão do presidente do TSE, ministro Marco Aurélio Mello.

Há dúvida, também, sobre a vigência dos aumentos dados por MP editada no último dia 30 de maio para cerca de 160 mil funcionários. E estão na mesa do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, outras quatro medidas provisórias que seriam editadas até o fim deste mês para uma série de outras categorias profissionais do setor público (militares, carreiras jurídicas entre outros). O conjunto de aumentos representa um gasto, para este ano, de mais de R$ 5 bilhões.

"O TSE reafirmou uma legislação de 1997 e, portanto, não pode ser encarada como uma surpresa", disse Mello, referindo-se à Lei 9.504, que rege as eleições. O artigo 73 dessa lei proíbe o governo de fazer "a revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição" a 180 dias das eleições (marcadas para 1º de outubro).

"O que a lei veda é a possibilidade de se cooptar eleitores mediante bondades e essas bondades só são lembradas em época de eleições", sublinhou o presidente do TSE. Para ele, o governo "tripudiou" ao conceder reajustes depois de 4 de abril e, se for proposta nova ação, o presidente Lula poderá ser condenado à multa ou até à cassação do mandato.

O governo, através da sua área jurídica, porém, encontra brechas legais para justificar as MPs. Primeiro, argumenta que não houve "revisão geral da remuneração dos servidores", mas sim, reajustes por categoria. Os servidores do Banco Central, por exemplo, ganharam 10% sobre os seus vencimentos. Os professores do 3º grau ficaram com 5%. Alega, também, que houve reajustes dentro dos planos de carreira das diversas categorias, o que já foi aceito pelo TSE nas eleições de 2002. "O governo não está dando um aumento salarial, está recompondo perdas inflacionárias e reestruturando carreiras. O TSE já tem jurisprudência diferenciando as duas situações", definiu um auxiliar próximo do presidente.

Lula, com tranqüilidade, defendeu essa tese na saída da posse da ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha no Supremo Tribunal Federal. "As categorias estão em época de reajuste, o orçamento só foi aprovado em abril e é o momento de dar reajuste", justificou o presidente. Ele garantiu que os reajustes já concedidos continuarão valendo. "Vamos continuar cumprindo o ritual normal de atendimento das categorias. Acho que a própria decisão dá essa garantia. Não há nenhuma razão para preocupação, para nervosismo." O presidente até ironizou a polêmica do TSE: "Você sabe que se começar a dizer que não pode dar aumento a Fazenda vai até gostar, então, é importante não brincar com isso".

O Ministério do Planejamento fundamentou a defesa em favor das medidas provisórias no artigo nº 21 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que proíbe aumento da despesa com pessoal nos 180 dias que antecedem o fim do mandato "do titular do respectivo Poder". Ou seja, pela LRF, o prazo seria dia 30 de junho.

Há fontes do governo que sustentam que não haverá risco para as medidas provisórias nem para o aumento de 10% prometido aos militares para este mês. "O reajuste dos militares não é uma promessa nova. Quando concedemos o aumento de 13% no ano passado, avisamos que os outros 10% viriam neste ano", justificou o ministro da Defesa, Waldir Pires.

A oposição aproveitou o tumulto criado com a decisão do TSE para engrossar as críticas ao governo. O presidente nacional do PSDB, senador Tasso Jereissati (CE), disse que o governo vem sistematicamente descumprindo a lei e esperava jamais ser punido por isso. "Primeiro foi com o mensalão, disfarçado de caixa dois. Depois, começou a viajar pelo país fazendo campanha, apesar de dizer que não é candidato, achando que somos todos tolos". Para o tucano, o PSDB vai cobrar que a lei seja cumprida. O senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) foi irônico. Segundo ele, a decisão do TSE beneficia o presidente Lula. "Ele não queria mesmo dar aumento aos servidores. Arrumou uma desculpa", emendou o senador baiano.

A líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC), lamentou o episódio. "É uma pena. Como a votação do orçamento atrasou, governo e oposição acertaram que eventuais reestruturações de cargos seriam regidas por MP", lembrou a senadora petista.

A decisão do TSE foi tomada no julgamento de uma consulta do deputado Atila Lins (PMDB-AM) e não prevê nenhuma punição. Mas, abre espaço para contestações aos reajustes, com recurso, inclusive, ao STF.

O ministro Gerardo Grossi, vencido no julgamento, reconheceu que a decisão pode levar o governo a ter que responder a futuras ações contra os reajustes. Por outro lado, ele tem dúvidas se essas ações terão sucesso no Judiciário. "Me parece que, se os reajustes foram setoriais, e não uma revisão geral, não se aplica (a lei)", afirmou. "Agora, se a soma das medidas provisórias (que concederam reajustes para servidores neste ano) importar em revisão geral para todos acima da inflação, acho que é vedado", completou o ministro.

O próprio Judiciário pode ser penalizado com a decisão do TSE, já que está à espera de aprovação do projeto de lei que reajusta os salários de seus 112 mil funcionários e que custará aos cofres públicos R$ 5,2 bilhões. O presidente do TSE reconheceu que esse "é um problema sério".

No fim da noite de ontem, 3 mil policiais militares, civis e bombeiros pararam o trânsito em frente ao Palácio do Planalto, reivindicando aumento de salários.