Título: Sinais preocupantes de fragilidade do governo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 22/06/2006, Opinião, p. A10
O que de pior pode ocorrer em um eventual segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é que ele seja um prolongamento da fraqueza política e da falta de rumos que manifesta após o escândalo do mensalão. As sucessivas e descoordenadas concessões já tornaram as coisas piores para 2007, dadas a vacilação e a leniência com que o governo vem tratando demandas indevidas sobre os cofres públicos.
O ano é de eleições e a tentativa de agradar a todos os descontentes baseia-se, talvez, na crença de que o importante é a reeleição, mas há algo mais no ar do que um cálculo político perigoso. Sem norte, o governo tenta administrar ao sabor dos ventos as pressões econômicas dos lobbies no Congresso, na ilusão de recompor uma base de apoio que já não era tão fiel ou confiável.
Não é apenas a situação fiscal do país que se encontra ameaçada por ausência de diretrizes claras, mas a própria continuidade de uma receita que, ainda que carente de ajustes, abriu possibilidades concretas para a volta do crescimento. Eleito após rejeitar as principais diretrizes econômicas de seu partido, o PT, Lula agora pode repetir a dose sem algo que se pareça de verdade com um programa.
Com seu partido desmoralizado e seu núcleo político dizimado pelo escândalo do mensalão, Lula dispõe de poucos anteparos contra investidas que terminem no Tesouro. Como principal figura do governo, o então ministro Antonio Palocci brecava às claras ou na surdina as tentativas de ampliar gastos para atender interesses nefastos. Palocci caiu e a tendência que ficou clara nos últimos meses é a de que o governo agora é capaz de ceder em toda a linha, bastando para isso um pouco de coação política.
Foi o que ocorreu, por exemplo, com a tentativa, vetada pelo presidente, do Congresso instituir um Refis 3 para permitir, mais uma vez, a prorrogação de débitos de boa parte dos devedores contumazes de impostos. O veto, absolutamente correto, foi seguido de abertura de negociações para que algum parcelamento possa ocorrer. Suas condições deverão ser um pouco mais rígidas que as do Paes, de 2003, mas essa condição é apenas superficialmente moralizante. Agora, governo e líderes partidários discutem se o prazo de pagamento para inadimplentes cairá de 15 anos para 14 ou 13 anos. Contorna-se o veto com mais uma chance para quem não cumpriu suas obrigações.
A história não foi muito diferente na renegociação das dívidas rurais. O governo elaborou um um bom plano de safra, mas que veio acompanhado de recuos generosos na magnitude das concessões para os agricultores. Em quatro pacotes sucessivos, a conta para o Tesouro chega a mais de R$ 20 bilhões, com redução de taxas de juros, alongamento de prazos de dívidas , inclusão de novas culturas na postergação de pagamentos, prorrogação de débitos de custeio e ampliação dos prazos de carência. A lista de concessões pode ser maior, já que médios e grandes produtores do Nordeste estão prestes a ganhar o direito de renegociar por dez anos dívidas já roladas pela securitização a partir de 1995 e esticar um calote de 10 anos.
A perda de autoridade política cobra um alto preço e não encontra mais uma resistência à altura. Que a situação pode piorar há poucas dúvidas. Uma das condições para isso é, por exemplo, a de prosperar o balão de ensaio do ministro Tarso Genro, que manifestou o desejo de modificar a Lei de Responsabilidade Fiscal para permitir "mais crescimento". O PT nunca gostou da lei, um dos marcos da moralização das finanças públicas no país, e pode acabar por abrir brechas perigosas que a nulifiquem. Aliados políticos para isso não faltam - o que há é grave escassez de bons conselheiros. Não há nada a se esperar do programa econômico do PT a não ser arcaísmos e platitudes. E, aparentemente, não há bons formuladores de política econômica com voz ativa no governo.
Os riscos econômicos crescem diante de uma precária orientação política. Sob o comando do presidente, monta-se uma aliança com o PMDB, desta vez de "porteira fechada". O compromisso deste novo e importante aliado com a austeridade fiscal é zero e os ganhos políticos podem ser irrisórios. Há tempo para mudanças de rota. Se ratificar a atual trajetória, o governo de Lula marcará os próximos quatro anos com sua vulnerabilidade política e desorientação econômica ampliados.