Título: Pará cresce em ritmo chinês sem ganho equivalente na área social
Autor: Chico Santos
Fonte: Valor Econômico, 22/06/2006, Especial, p. A12

Uma viagem de carro entre o centro velho de Belém e a residência oficial do governo do Estado, na periferia da cidade, saindo da região portuária, dará ao viajante uma visão panorâmica das contradições vividas pelo segundo maior Estado brasileiro em tamanho, que apesar de crescer mais do que o país, avança pouco no desenvolvimento social. Nos 30 minutos do caminho, o charmoso centro cultural-gastronômico da Estação das Docas, o moderno estádio Mangueirão, largas avenidas, tudo circundado por muitos quilômetros de bairros pobres, quando não favelas.

O Pará cresce acima da média nacional desde 1998, depois de um empate em 1997. Daquele ano até 2003, o Produto Interno Bruto (PIB) paraense acumulou aumento de 32%, contra parcos 13% do país. Na indústria, o Estado mantém um ritmo chinês, liderando com folga a produção nos quatro primeiros meses deste ano. Cresceu 12% contra 2,9% da média nacional. Em 2004 e 2005 não foi muito diferente. A produção industrial paraense medida pelo IBGE cresceu, respectivamente, 10,4% e 3,8%, contra 8,3% e 3,1% da média brasileira.

Desde o início da produção de minério de ferro na Serra dos Carajás (sudeste do Estado), em 1982, a dinâmica do crescimento do Pará é cada vez mais comandada pela indústria extrativa mineral para exportação (é a maior província mineral do Brasil e uma das maiores do mundo), um segmento que atrai muita mão-de-obra na implantação do projeto, estimulando a migração, emprega pouco na operação e não tem vocação distributiva.

Esse quadro explica por que o crescimento acelerado não está levando o Estado a reduzir também em ritmo acelerado seu desnível em relação à média do país em alguns indicadores sócio-econômicos importantes. Há casos até de regressão na comparação com outros Estados. O PIB per capita, por exemplo, que em 1994 era de R$ 1.509 e estava em 14º lugar no ranking nacional, aumentou para R$ 4.367 em 2003, mas caiu para o 20º lugar, perdendo duas posições na própria região Norte.

Entre os Estados brasileiros mais ameaçados pela fome, a primeira pesquisa do IBGE sobre segurança alimentar mostrou o Pará como o sétimo Estado com maior insegurança (54,3% dos domicílios), ganhando na região Norte apenas de Roraima e do Acre.

A incorporação dos dados rurais em 2004 revela que o percentual de pessoas sem instrução, ou com menos de um ano de escolaridade, no Pará (12,7%) é maior do que a média nacional (11,3%), fato que as estatísticas apenas urbanas mascaravam até 2003. A parcela da população com 15 ou mais anos de estudo em 2004 era de 2,57%, menos da metade da média nacional (5,45%) e estava em queda desde o ano anterior, quando os dados paraenses eram apenas urbanos.

De acordo com dados da Federação das Indústrias do Estado do Pará (Fiepa), as exportações representam cerca de 35% do PIB paraense, número que no Brasil está em 14,8% (2005), mesmo após o espetacular crescimento das vendas externas do país nos últimos anos. Os produtos minerais não-elaborados ou semi-elaborados representaram 82,72% das exportações paraenses de janeiro a abril deste ano, totalizando US$ 1,477 bilhão. Quando somados à madeira, à pasta química de madeira, o total sobe a 96,5% das exportações do Estado, que atingiram US$ 1,786 bilhão no período, uma expansão de 26,05% sobre 2005.

"O Estado é viável, o investidor quer vir, mas não temos o que mostrar", lamenta o presidente da Fiepa, José Conrado Santos, afirmando que falta uma infra-estrutura de distritos industriais adequada no Pará. "Não temos um distrito industrial que mereça este nome", disse o empresário, acrescentando que a criação dessa infra-estrutura, no seu ponto de vista, cabe tanto ao Estado como às empresas, especialmente as exportadoras de produtos minerais.

"Estamos engajados em parcerias com essas empresas. O que desejamos é que elas tenham a responsabilidade de atrair parcerias para verticalizar a produção (de minérios). Mas se exportarem tudo que produzem, não sobra disposição para verticalizar", disse Santos. O economista André Reis, gerente da área de comércio exterior da Fiepa, ressalta que a pauta de importações do Estado é um retrato da falta de ramificações internas da economia exportadora.

Dos US$ 254 milhões importados de janeiro abril deste ano (crescimento de 153% sobre o mesmo período de 2005), mais de 80% correspondem a máquinas, equipamentos e insumos para a indústria de mineração e beneficiamento primário dos produtos minerais, como a soda cáustica usada na transformação da bauxita em alumina. Na área das exportações de produtos tradicionais, Reis destaca a estagnação da indústria madeireira que, segundo ele, emprega cerca de 300 mil pessoas.

Além de problemas ambientais e fundiários, a indústria madeireira também enfrenta o problema da baixa verticalização que marca a área mineral. As exportações de móveis e artefatos de madeira representaram até abril apenas 0,11% do total exportado (US$ 1,86 milhão) e, ainda mais grave, com queda de 35% em relação ao mesmo período do ano passado. "Nossa madeira vai ser beneficiada em países como Itália e, cada vez mais, China, para depois ser reexportada para os EUA", lamenta Reis.

Há iniciativas tênues de aprofundamento da industrialização. A criação de um pólo joalheiro (aproveitando os insumos minerais e vegetais abundantes), algum beneficiamento de alumínio, esforços na área turística e perspectivas de alguma produção siderúrgica, além da simples conversão de minério em ferro-gusa. Mas nada que salte aos olhos como início de uma transformação mais profunda no modelo produtivo do Pará.

"O que existe aqui (no Pará) é uma economia agroextrativista em processo ainda não visível de mudança estrutural", afirma o economista David Ferreira Carvalho, pesquisador e professor do mestrado e doutorado da Universidade Federal do Pará (UFPA). Autor da obra "Globalização Financeira e Amazônia nos Anos 90" (ensaios), Carvalho afirma que, "não sem tempo", o Estado e a iniciativa privada perceberam que é essencial mudar a base produtiva da região.

Para o economista, o esforço transformador exige investimentos maciços e esbarra na falta de recursos, especialmente para financiar a criação de uma infra-estrutura adequada. Carvalho, como todo mundo que pensa a economia no Pará, reclama que a Lei Kandir (de 1997), ao isentar as exportações de produtos primários e semi-acabados de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), retirou dos Estados que exportam bens primários capacidade de investir, já que a compensação paga pela União não estaria vindo em quantidade e na velocidade necessárias para compensar as perdas.

"A Lei Kandir foi boa para o Brasil, especialmente para os Estados industrializados, mas puniu os exportadores de matérias-primas", afirmou Carvalho. Ele idealiza uma indústria de madeira que invista na produção maciça de móveis para ganhar o mercado externo, uma indústria de alumínio que também chegue à produção de móveis e componentes para a indústria automobilística.

"Quem sabe se com a Alca (a Área de Livre Comércio das Américas, cuja gestação está hoje parada) não vem uma fábrica de automóveis para cá", sonha o pesquisador. Vê mérito no projeto paraense de verticalizar a produção extrativa, mas ressalta que esse projeto precisa ser articulado com um plano nacional de desenvolvimento. Prega o aprofundamento da parceria Estado-setor privado como forma de gerar investimentos.

Enquanto as transformações desejadas não chegam, Carvalho segue assustado com o fantasma da Serra do Navio, a reserva de manganês do Amapá totalmente esgotada dos anos 50 ao final dos 90. O minério, lavrado pela Icomi, do empresário Augusto Trajano de Azevedo Antunes, em parceria com a americana Bethlehem Steel, foi todo exportado para os Estados Unidos sem deixar nenhuma raiz significativa para a continuidade da vida econômica do Amapá.

Nessa configuração, o economista afirma que a grande empresa mineradora não passa de um "encrave". Carvalho quer que o destino do Pará esteja mais para o de Minas Gerais do que para o do Estado vizinho.