Título: Discurso alinhado
Autor: Cristino, Vânia
Fonte: Correio Braziliense, 10/09/2010, Economia, p. 10

A ata do Copom traz a nova visão do Banco Central. Mais otimista, agora garante que a inflação está caminhando para o centro da meta. E não poupa elogios ao papel decisivo da política monetária que comanda

O Banco Central definitivamente mudou de tom. Depois de insistir em apontar para riscos deum superaquecimento da economia e deumretorno feroz da inflaçãopromoveu inclusive três altas consecutivas dos juros a partir de fins de abril devido a esses temores , até mesmo quando o Ministério da Fazenda já enxergava e falava em uma desaceleração da atividade produtiva, agora a equipe econômica parece ter afinado o discurso de vez.

Na ata da reunião do Comitê de PolíticaMonetária (Copom) da semana passada, 1º de setembro, em que manteve a taxa Selic em 10,75% ao ano, a visão otimista com que agora o BC enxerga o cenário de riscos para a inflação ficou evidente.

Inspirado, talvez, pelos ares eleitorais e pelo bom desempenho da candidata governista, Dilma Rousseff, o Copom agora percebe uma melhora da dinâmica inflacionária e afirmaser pequeno o risco de a inflação não convergir para a meta, que é de 4,5% este ano e no próximo.HenriqueMeirelles, presidente do BC, eGuidoMantega, ministro da Fazenda, estão falando a mesma língua.

O Copom reconheceu no documento que o nível de incertezas está acima do usual e que a atividade doméstica continua robusta, mas apontou redução nas projeções de inflação para 2010 e 2011 emseu cenário de referência. Para o próximo ano, a estimativa agora se encontra ao redor do valor central da meta.No texto, apesar de admitir a existência de riscos de elevação dos índices de preços no curto prazo, o Copom considera que a convergência da inflação para o valor central da meta tende a se materializar.

Para os economistas,noentanto, o otimismo do Banco Central pode ter consequências e uma delas é maior risco que o Comitê passou a correr, caso o cenário projetado não caminhe para o rumo esperado.

OCopom parece ter deixado de ser conservador principalmente na análise dos fatores de risco, passando a adotar uma postura mais otimista e ao mesmo tempomais assertivaemrelação ao cenário, observou o economista sênior do banco Santander,MaurícioMolan.

Ele chamou a atenção para alguns parágrafos do documento, em que o Copom passa a elogiar a sua própria atuação.

No parágrafo 19, por exemplo, o Copomafirmamais deumavez que o amadurecimento do regime de metas se encontra em estágio avançado, e isso se reflete favoravelmente na dinâmica da taxa de juros neutra e na potência da política monetária. Taxa de juros neutra, segundo os economistas, é aquela que coloca a inflação na meta. Com essas palavras, o BC estaria dizendo para o mercado que a taxa de juros neutra é a atual, de 10,75% ao ano. Nível de juro neutro é um número que você não calcula. Ninguém consegue medir, disse o economistachefe do banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves.

Riscos maiores O economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, disse que o Banco Central realmente parece disposto a aceitar mais riscos. Desta vez ,eles colocaram de maneira firme seus argumentos, não deixando espaço para dúvidas. Para José Francisco, a mudançade posição foi clara, por exemplo, com relação à situação internacional.

Até pouco tempo atrás, o BC não se arriscava a quantificar os benefícios para a inflação no mercado interno da deterioração da situação internacional com plena desaceleração da atividade econômica. Agora o Copom está convencido do viés desinflacionário do cenário internacional.

EduardoVelho, economista-chefe da Prosper Corretora disse que a ata, combinada com a divulgação de um IPCA de agosto de apenas 0,04% (no piso das expectativas), tendem a reduzir as apostasemrelação ao aumento da taxa básica de juros em 2011, pelo menos no primeiro semestre.