Título: Os novos ares dos negócios verdes na União Europeia
Autor: Leonhardt,Roberta Danelon
Fonte: Valor Econômico, 28/09/2011, Opinião, p. A12

A partir de 2012, as emissões de gases de efeito estufa liberadas pelas aeronaves que decolem ou aterrissem no território da União Europeia (UE) serão controladas. A medida objetiva atacar as emissões globais ligadas ao setor aéreo, que se elevaram em 62,8% no período entre 1990 e 2005, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU).

De acordo com a política europeia, qualquer companhia aérea, não importa a nacionalidade, que opere no velho continente, deverá portar permissões para emitir quantidade limitada dos gases causadores do aquecimento global, conhecidos como gases de efeito estufa. Caso emitam mais do que o devido, as companhias deverão investir na adoção de tecnologias limpas em sua frota ou comprar permissões de emissões no mercado de carbono europeu. Exceção será feita às companhias aéreas não europeias baseadas em países que adotem medidas similares.

Caso suas aeronaves sejam eficientes, emitirão menos gases do que a meta imposta e poderão, assim, vender suas permissões para as companhias aéreas que delas necessitam. Estabelecidas a oferta e a demanda, estaremos diante de um novo ambiente de negócios bastante promissor.

Os países em desenvolvimento, no entanto, já se manifestaram frontalmente contra a adoção da medida europeia. Com razão, a imposição de metas para o transporte aéreo vai de encontro com a lógica adotada pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e pelo Protocolo de Kyoto, ambos assinados pelo Brasil. Os tratados dividem o ônus da mitigação da mudança do clima entre os países signatários e não por setores da economia. Ademais, de maneira unilateral, a política europeia transfere para os países em desenvolvimento parte das obrigações que deveriam ser arcadas somente pelos países listados no Anexo I da Convenção-Quadro - basicamente os países desenvolvidos.

O Protocolo de Kyoto prevê expressamente que são os países do Anexo I que devem reduzir as emissões advindas da aviação, por meio de processo multilateral a ser conduzido pela Organização de Aviação Civil Internacional.

Dessa forma, merece destaque a existência de argumentos jurídicos contundentes para se questionar a medida europeia também sob o ponto de vista do comércio internacional. A imposição de custos adicionais às companhias aéreas, com base na emissão de gases de efeito estufa, tende a onerar de forma desigual a companhia que decola de países mais distantes da Europa e aquela que faz percursos menores. Contudo, tendo em vista que os serviços prestados por ambas as companhias são similares, a restrição comercial pode ser entendida como uma discriminação arbitrária ou injustificada entre países frente às regras basilares da Organização Mundial de Comércio (OMC).

Por outro lado, a UE poderá alegar que a medida é necessária para proteção da saúde e da vida das pessoas, ou mesmo essencial para conservar recursos naturais esgotáveis, na linguagem das regras de comércio. Contudo, será difícil para o bloco regional sustentar medida unilateral contrária a uma convenção ambiental assinada pela quase totalidade dos países do globo.

Enquanto as retaliações comerciais não vêm, cabe aos empreendedores brasileiros estabelecerem estratégias que tirem proveito de duas indústrias muito fortes no país: a de aviação e a de biocombustíveis. Empresas e universidades brasileiras já se deram conta de que investir em inovações tecnológicas que reduzem emissões associadas ao transporte aéreo é um bom negócio.

Iniciativas que explorem combustíveis alternativos à gasolina e ao querosene de aviação serão valorizadas não só pelos seus benefícios ambientais, como por suas vantagens econômicas. Estima-se que cerca de 20% dos custos operacionais da aviação sejam destinados aos combustíveis. Ainda, o desenvolvimento de novas opções mais econômicas tende a ganhar rapidamente espaço no mercado.

Contudo, as oportunidades de negócio não giram apenas em torno das energias renováveis. Em realidade, a Organização de Aviação Civil Internacional prevê que apenas 10% das aeronaves utilizarão biocombustíveis em 2050, devido a fatores limitantes, como escassez de terra agricultável para o plantio da matéria-prima necessária para gerar todo o combustível consumido pela frota aérea internacional.

Dessa forma, a solução passa também pelas inovações tecnológicas que lidam com a eficiência energética das aeronaves, a partir da alteração de seu desenho e do desenvolvimento de materiais que a deixem cada vez mais leves.

Os Estados Unidos, grande consumidor de combustíveis para aviação civil e militar, também despertaram para a necessidade de diversificar a matriz energética aérea. A visita do presidente Barack Obama, ao Brasil, em março de 2011, propiciou a assinatura de termo de cooperação entre os dois países para desenvolver um ambiente favorável para iniciativas acadêmicas e empresariais voltadas para a inovação em biocombustíveis de aviação.

O acordo Brasil-EUA menciona expressamente o apoio à Aliança Brasileira para Biocombustíveis de Aviação (Abraba) e à sua irmã norte-americana Iniciativa de Combustíveis Alternativos para a Aviação Comercial (CAAFI). As associações reúnem produtores de biocombustíveis, pesquisadores, fabricantes de avião e companhias aéreas.

Resta claro que a movimentação em torno desses novos negócios sinaliza que alguns empresários aprenderam a lição com a UE: a adoção de políticas ambientais de vanguarda é sempre mais lucrativa se acompanhada do desenvolvimento e da exportação das tecnologias verdes.

Roberta Danelon Leonhardt e Daniela Stump são, respectivamente, sócia e advogada do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados