Título: Fiat inflaciona disputa de 2012 em Goiana
Autor: Camarotto, Murillo
Fonte: Valor Econômico, 28/09/2011, Especial, p. A14

Faltava pouco para as 9h do dia 13 de setembro e uma pequena multidão já se acotovelava na agência da Caixa Econômica Federal de Goiana, município de 75 mil habitantes da Mata Norte de Pernambuco, distante 60 km do Recife. Entre os funcionários do banco que chegavam para o trabalho, chamou a atenção o gerente de atendimento Frederico Gadêlha Malta de Moura Júnior. Cortês, ele saudou individualmente alguns e parou para ouvir atentamente outros antes de atravessar a porta giratória.

Dentro da agência, ainda fechada ao público, desejou bom dia a seguranças, faxineiras, atendentes e demais colegas para, então, assumir seu posto. Aos 43 anos, 22 dedicados ao banco federal, Fred da Caixa, como é conhecido, é o principal candidato à Prefeitura de Goiana nas eleições do ano que vem. A sucessão municipal, tradicionalmente acirrada, ganhou ares de corrida ao tesouro após o anúncio de que a Fiat instalará ali a sua segunda fábrica no país, um investimento de R$ 4 bilhões.

O megaprojeto caiu no colo de Goiana depois que a montadora italiana desistiu de instalar a unidade no Cabo de Santo Agostinho, alegando questões técnicas. Além desses critérios, pesou na decisão da Fiat o desejo de replicar no município pernambucano a experiência realizada em Betim (MG), onde a chegada da empresa, e de toda a cadeia de fornecedores, transformou completamente a cidade mineira. Tal experiência não poderia ser implementada no Cabo de Santo Agostinho, onde a área para instalação da fábrica não comportava toda a estrutura que a montadora desejava.

Veio, então, o anúncio da mudança para Goiana, que serviu para aguçar ainda mais os anseios políticos na cidade, que também está recebendo a fábrica de hemoderivados da estatal federal Hemobrás, que custará outros R$ 640 milhões. Existe ainda a possibilidade de instalação de um novo porto e um novo aeroporto na zona norte do município, projetos bilionários que estão em análise de viabilidade.

Com todos os investimentos anunciados, o orçamento de Goiana, que em 2011 deve totalizar R$ 120 milhões, tende a se multiplicar algumas vezes nos próximos anos. "Para se ter uma ideia do interesse que isso provocou, tem gente que estava fora da política local há 12 anos e que está voltando", revelou Fred da Caixa ao Valor, precedida por uma oração do candidato, evangélico praticante.

Ao mencionar o retorno de políticos aposentados, ele se referia a Osvaldo Rabelo Filho, três vezes prefeito e possível candidato ao quarto mandato pelo PSB. Além deste último e do próprio Fred da Caixa, há pelos menos outros sete "prefeituráveis" em Goiana. O grande interesse deve fazer da eleição de 2012 a recordista em número de candidatos. Até agora, a mais mais disputada foi a de 2008, com cinco postulantes.

De acordo com políticos locais, Fred da Caixa começou sua campanha a prefeito já no ano passado, quando recebeu 11.733 votos para deputado estadual, dos quais 9.440 de eleitores goianenses. Mesmo sem ser eleito, ele acredita ter reforçado seu cacife para a disputa municipal, para a qual é considerado favorito. Recentemente, deixou o PV rumo ao PTB, comandado em Pernambuco pelo senador e empresário Armando Monteiro Neto, que quer ser candidato a governador em 2014. "A gente está alinhado com o projeto dele", afirmou Fred, enquanto descrevia o que chamou de seu "PDI" (Plano de Desenvolvimento Individual).

A busca pelo fortalecimento político também motivou uma aproximação com o primo e ex-prefeito Beto Gadelha (PTC), cassado em 2006 por abuso de poder e provável vice na chapa de Fred da Caixa. Apesar das diferenças políticas na família, que tem influência antiga em diversos municípios de Pernambuco e da Paraíba, o candidato acredita que a aliança pode dar liga. Outra aposta - sustentada pelo mantra da renovação - é o lançamento de candidatos a vereador exclusivamente debutantes, ou seja, sem qualquer experiência política ou mandato anterior.

Na tarde da mesma terça-feira, a Câmara Municipal de Goiana estava quase deserta. Apenas dois vereadores despachavam e não havia qualquer informação sobre os demais. "Você não conhece Câmara de interior, meu filho? Só de vez em quando é que eles aparecem", disse uma funcionária que preferiu não ter seu nome publicado. Um dos presentes era o presidente da Casa, João Bosco, do nanico PSC. Ele revelou que nove vereadores estão se reunindo periodicamente para definir o lançamento de um nome da Câmara para a sucessão do prefeito Henrique Fenelon (PCdoB).

"O prefeito não está atendendo às necessidades do município. Só está pegando carona nos investimentos trazidos pelo governo do Estado e pelo governo federal", afirmou Bosco. O parlamentar informou que dos nove vereadores que estão debatendo a candidatura da Câmara, pelo menos quatro "colocaram o nome à disposição" para a disputa, incluindo ele próprio.

A exemplo do que acontece em muitos municípios brasileiros, entender a composição de forças políticas no legislativo de Goiana é tarefa inglória. Os dez vereadores representam oito partidos. Somente PDT e PCdoB ocupam mais de uma cadeira e siglas como PT, PMDB, PSDB e DEM, por exemplo, não estão presentes. Questionado sobre como consolidar essa miscelânea partidária na aliança que sustentará o candidato da Casa, o presidente demonstrou perícia ao matar a charada: "Até lá todo mundo muda de partido e está resolvido".

As críticas à administração municipal são concentradas nas áreas de educação, infraestrutura urbana e, principalmente, saúde. Na tarde do dia 13, o posto do bairro Pau do Rio estava fechado. No portão, um aviso de que o dentista não iria atender nos próximos dias. O médico, tampouco. A estudante Railene Mauricia Mota, grávida de quatro meses, voltava para casa mais uma vez sem a sonhada requisição para uma ultrassonografia. "Estou tentando há duas semanas", contou, já desgostosa. Meio sem jeito, o funcionário do posto confessou: "Não tem mais médico aqui. A doutora foi embora".

Os empresários de Goiana também não querem nem ouvir a graça de Henrique Fenelon. Para o diretor da Câmara de Dirigentes Lojistas, Flavio Romero Borba, a cidade está "um lixo". "Não tem como não falar. O prefeito é politiqueiro, não governa. Falta saneamento, falta remédio. É uma cidade abandonada", criticou o comerciante, que se diz adepto da "política social". Mais conhecido como "Borbinha do Varejão", ele é presidente do PTN local e também paquera a cadeira do prefeito. Caso se concretize, sua candidatura deverá ter o apoio do empresariado goianense.

Além da gestão mal avaliada, pesa contra Henrique Fenelon uma tradição do eleitorado local, pouco adepto ao continuísmo na política. O atual prefeito foi o primeiro reeleito da história do município, ainda assim em condições extraordinárias. Ele só exerceu metade do primeiro mandato, conquistado em 2006 depois da cassação de Beto Gadelha. Nem mesmo os sucessores indicados pelos prefeitos costumam ter sucesso nas urnas de Goiana.

Apresentado às críticas, Henrique Fenelon menciona o interesse pelo poder local turbinado após o anúncio de tão relevantes investimentos. "A cidade passou a ser vista com outros olhos. Cresceu muito a vontade política de administrar essa cidade do futuro", disse ele, que considera natural o fato de ser o alvo preferencial das alfinetadas. "O pessoal tem interesse na eleição, não vão dizer que o prefeito é bom", complementou, antes de registrar alguns de seus feitos, como a atração de uma escola técnica estadual para o município.

"Estamos calçando muitas ruas, fazendo saneamento. Não é um buraco na rua que vai definir a competência da gestão. Problemas na saúde nós temos, como todo mundo tem, mas é em Goiana que se encontra o melhor atendimento médico da Mata Norte", defendeu-se o prefeito, que ainda não escolheu o sucessor. "Só devo anunciar isso em janeiro", informou.

Todos os postulantes à Prefeitura de Goiana concordam que o caminho mais curto, senão o único, para o sucesso nas urnas passa pela benção do governador Eduardo Campos (PSB). Tido como o grande responsável pela transformação pela qual passará o município, ele é tratado como semideus nas palavras dos pré-candidatos. Segundo uma pessoa próxima ao governador, a tendência atual é de apoio ao sucessor escolhido pelo prefeito, cujo vice é do PSB.

Contudo, o que parece simples se complica em se tratando da disputa em Goiana. O vice-prefeito, Clovis Batista (PSB), está rompido com Henrique Fenelon e é grande a possibilidade de o vereador Carlos de Joca (PSB) ser o candidato do partido do governador à prefeitura da cidade. O PSDB, que ocupa atualmente duas secretarias, também pensa em um voo solo, segundo informou seu presidente municipal, José Freire Almeida.

Outros candidatos podem surgir a qualquer momento. A instalação de uma fábrica de automóveis costuma ser disputada a tapa por governadores e, em um segundo momento, por prefeitos. O efeito multiplicador de investimentos e empregos é apontado como a grande benesse desse tipo de empreendimento. Enquanto os carros não ficam prontos, os PDIs já se multiplicam em Goiana.