Título: Governabilidade social e democracia
Autor: Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 13/06/2006, Política, p. A7
A invasão da Câmara por uma tropa de choque do MLST coloca em questão a relação do governo Lula com os movimentos populares. Uma vinculação que se aprofundou ao longo dos últimos quatro anos, que para a oposição não passa de atrelamento desses segmentos pelo Estado, uma espécie de "neopeleguismo", mas que para o ministro Luiz Dulci, o mestre de obras encarregado dessa interlocução, tem a ver com a "governabilidade social".
Dulci, como de resto o governo, condenou a truculência dos sem-terra, que por duas vezes foram recebidos com sua ajuda no Palácio do Planalto pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Agora diz que não há hipótese de entendimento e que a relação com o grupelho dissidente do MST será reavaliada. Mas a política de aproximação com os movimentos sociais prosseguirá e deve ser aprofundada em eventual segundo mandato do presidente Lula.
"Para um governo democrático, a governabilidade política é imprescindível", argumenta Dulci. "Mas é importante também que ele tenha uma espécie de governabilidade social, sobretudo para um governo de mudanças como o nosso". Para evitar mal-entendidos, explica: não se trata de uma contraposição entre democracia direta e democracia representativa, entre o institucional e o não-institucional.
Dulci recebeu a missão de estreitar essa relação diretamente de Lula. Como a base social histórica do PT eram as classes populares, e elas se acostumaram a reivindicar do Estado, o presidente entendia que esses movimentos também deveriam, além de reivindicar, fazer propostas. "Durante esses anos de nosso governo, (os movimentos) se informaram muito sobre como funciona o Estado, tiveram a vivência prática sobre as possibilidades e os limites do Estado". Hoje, segundo Dulci, estariam aptos para participar da elaboração de políticas públicas.
"Nós queremos que as classes populares também se apropriem das informações sobre o Estado e tenham uma visão geral sobre o Estado, e não apenas reivindicatória. E que se capacitem, além de reivindicar, a fazer propostas de políticas públicas para o Estado, como fazem as classes empresariais"
Lula quer propostas de movimentos populares "Qual foi nossa linha? Fortalecer os canais de participação da sociedade civil", diz Dulci. Nesses quase quatro anos de governo, foram feitas 39 conferências setoriais, envolvendo a participação de mais de 2 milhões de pessoas. "Na medida em que as pessoas não participam dos processos, elas têm um nível menor de co-responsabilidade, elas ficam à distância. Ninguém se torna plenamente co-responsável por aquilo que não ajudou a elaborar".
À oposição, que acusa o governo de lubrificar as engrenagens dos movimentos com recursos do Tesouro Nacional, Dulci diz que a subvenção prestada "é lateral" nos orçamentos de entidades do porte da CUT, que manteriam independência em relação ao governo. Prova disso é que ao se insurgirem recentemente contra o impeachment de Lula , mantiveram críticas a políticas de governo. "Não é correia de transmissão". Na visão do ministro, o que houve é que os movimentos passaram a ter voz efetiva nas negociações das políticas públicas.
"Alguns dos principais avanços foram negociados com as principais organizações sociais e depois articulados com o Congresso". Exemplo maior disso teria sido o novo salário mínimo, o primeiro a ser realmente negociado com os trabalhadores desde 1964, "uma conquista histórica", segundo o ministro. "Inclusive com as organizações que fazem oposição a nós no plano sindical, como a Força Sindical".
Na avaliação de Dulci, os movimentos populares nasceram na ditadura, com uma cultura puramente reivindicatória e de recusa do Estado - era o Estado policial, que reprimia, era o Estado espião, que vigiava, ou o tecnocrata, planejador olímpico. Em todo o caso, era o "Estado do adversário". O que teria assegurado a independência, "porque as entidades sociais no Brasil não dependem dos recursos do Estado para funcionar".
"Se chegar ao governo é um aprendizado para nós, das esquerdas, é um aprendizado também para os movimentos", afirma. Para o ministro, os movimentos populares devem estar em sua maioria com o presidente Lula, nas eleições de outubro, apenas porque perceberam que a ação social do governo é bem maior do que imaginavam.