Título: Metas de inflação: gestão eficaz, mas não eficiente
Autor: Antonio Prado
Fonte: Valor Econômico, 13/06/2006, Opinião, p. A10

A política monetária brasileira é eficaz e negar esse fato é triste desperdício de tempo de analistas talentosos. Sua eficácia está comprovada pela nítida convergência das expectativas de inflação para a meta perseguida e pela redução da inflação medida para níveis cada vez mais próximos da média de inflação dos países que são nossos principais parceiros comerciais. Assim, a inflação doméstica caminha para ser fator irrelevante nos movimentos de apreciação cambial e cada vez menos decisiva nos contratos comerciais e de trabalho.

Houve, porém, ressurgimento inflacionário no ano de 2002, decorrente de vários fatores: do crescimento espetacular dos preços das principais commodities, agrícolas, metálicas e petróleo; e dos custos gerados pela crise do apagão e do aumento brutal do dólar no segundo semestre daquele ano. A crise cambial, por sua vez, foi alimentada pelo calote da dívida argentina; pelos efeitos dos escândalos financeiros nos EUA; pela quebra do estado de confiança dos investidores dos fundos de renda fixa, devido a novas e desastradas regras de marcação a mercado de suas carteiras; e pela antipatriótica estratégia eleitoral tucana, sintetizada no lema "Serra ou o caos", que levou as incertezas eleitorais ao paroxismo e o dólar à proximidade dos R$ 4. Há os que insistem que a expectativa de vitória de Lula causou o fenômeno, mas até hoje não explicaram como o risco país e o dólar caíram logo após sua vitória e mantêm esta trajetória até hoje.

A inflação no fim de 2002 chegou a 12,53% pelo IPCA e 26,41% do IGP-DI, quando a meta do Conselho Monetário Nacional (CMN) apontava para 3,5%. O BC, no início de 2003, adotou a meta de 9,5% e a cumpriu, pois o IPCA terminou o ano em 9,3%; para 2004 estabeleceu 5,5%, com tolerância de 2,5%, e cumpriu, pois o IPCA fechou em 7,6% ; e para 2005 e 2006 firmou meta de 4,5%, com tolerância de 2,5%. O IPCA de 2005 fechou em 5,69%, muito perto do centro, e a expectativa para 2006 está próxima à meta. Sucesso inegável.

Mas a gestão da política de metas é eficiente? Não, mesmo com autonomia de fato, o BC não consegue entregar uma macroeconomia menos volátil. As variações do PIB são dramáticas. Saem de 0,79% em 1999, primeiro ano do regime de política monetária; sobe para 4,36% em 2000; despenca para 1,31% em 2001; 0,54% em 2003; escala 4,9% em 2004 e desmorona para 2,28% em 2005. E pior, mantém média baixa de crescimento.

O câmbio, usado como âncora nominal no período de 1994 a 1998, atua como âncora subsidiária no atual regime de metas desde o início de 2005, momento em que se aprecia em relação ao ajuste realizado na mudança de regime cambial de 1999. A taxa de juros deixa de ser, então, o único instrumento da política monetária, mas infelizmente passa a ser acompanhada pelo coadjuvante indesejado, o real sobrevalorizado.

Durante o governo FHC, a dívida pública ficou carregada de títulos indexados ao dólar e à Selic. Herança maldita. Primeiro, porque a combinação de vulnerabilidade externa e dívida pública indexada ao dólar conduziu a uma trajetória explosiva da dívida, marca dos anos FHC. O Tesouro, no governo Lula, vem trabalhando para reduzir esses problemas e praticamente já extinguiu os títulos mobiliários indexados ao dólar, mas ainda carrega 50% em LFTs, indexadas à Selic. Isto exige da política fiscal um esforço inglório, pois toda vez que os juros reais escalam, como resultado da draconiana gestão do BC, os gastos são contidos para gerar um superávit primário maior. Desde 1999, o superávit primário subiu de 3,23% ao ano para 5% em 2005. Tântalus teria mais chances.

Empregos têm sido preservados, mas eles são sensíveis ao câmbio e não ficarão imunes por muito tempo à sobrevalorização Há várias teses sobre a eficácia da política monetária, desde as que a consideram totipotente até aquelas que a vêem como mero instrumento de interesses. A política de metas de inflação é adequada e eficaz, mas sua gestão tem gerado efeitos sociais e econômicos adversos e de intensidade, no mínimo, controversa. A tese de que é ineficaz devido ao efeito riqueza gerado pelas LFTs tem fundamento relativo. Se é verdade que o aumento dos juros amplia a confiança do detentor de LFTs e afeta positivamente sua propensão a consumir, é também correto que, quanto maior o volume de recursos drenado aos rentistas, menor a propensão ao consumo, já que a propensão marginal a consumir dos rentistas é muito inferior ao do público-alvo das políticas públicas e do próprio governo, e o efeito riqueza raramente supera o efeito de deslocamento do gasto corrente. O multiplicador dos gastos autônomos é reduzido por menor propensão marginal a consumir e pelo aumento da carga tributária. Esta tem aumentado praticamente para servir a dívida crescente e, portanto, esteriliza boa parte do poder de compra adicional do Estado. Há que se continuar reduzindo a Selic e o estoque de LFTs.

Assim, os efeitos distributivos dos juros reais elevados são negativos. Beneficia os setores empresariais superavitários em detrimento dos endividados; reduz o gasto público em políticas sociais e serviços de infra-estrutura em favor da riqueza financeira e de poucos milhares de detentores de quase toda a dívida pública. Evitar juros acima do necessário é imperativo.

Os juros reais estão acima do necessário? Esta é a questão relevante e pode ser vista a partir da perspectiva do PIB e do emprego. Se a moeda é neutra, como alegam (neo)liberais de várias extrações teóricas, a elevação dos juros não deveria gerar desemprego crescente no longo prazo. Mas se é inegável que a política de metas reduziu a inflação desde 1999 pela metade, também é fato que não interrompeu o curso elevado do desemprego, que apenas recuou nos últimos meses.

A saída teórica dos experts para essa contradição vem pelo lado da oferta: às ineficiências microeconômicas deve-se o baixo estímulo ao emprego. Excesso de burocracia estatal, mercado de trabalho pouco flexível, justiça emperrada, regulação inadequada de concessões públicas. Mas basta calcular uma série temporal da elasticidade emprego do PIB para perceber sua sensibilidade ao câmbio real, por sua vez muito suscetível aos juros reais, ainda mais em regime de câmbio flutuante.

O crescimento espetacular dos empregos formais no atual governo reflete o crescimento das exportações; da heterodoxia na política de crédito; da regularização fiscal e trabalhista das empresas para acesso ao crédito público; dos incentivos à formalização através da simplificação tributária para as micro-empresas. O efeito do baixo crescimento econômico sobre os empregos tem sido mais do que compensado pela alta da elasticidade emprego do PIB. Mas essa deve recuar se o câmbio permanecer sobrevalorizado por muito tempo - e, pior, as exportações, elemento dinâmico do atual crescimento, também recuarão. Não há populismo cambial, pois os saldos comerciais são vigorosos e o balanço de transações correntes é positivo, mas o fio da navalha é uma situação desconfortável e tensa.

Antonio Prado é economista, professor do Departamento de Economia da PUC-SP (licenciado), foi coordenador da Produção Técnica do Dieese nos anos 90 e é responsável pelo escritório do BNDES em Brasília.