Título: Tragédia ambiental
Autor: Lima, Gabriela; Alves Renato
Fonte: Correio Braziliense, 10/09/2010, Cidades, p. 29

Um incêndio iniciado há duas semanas já consumiu o equivalente a 5 mil campos de futebol no Noroeste do Distrito Federal e avança sobre Goiás. Por onde passaram, as labaredas de até 10 metros de altura destruíram, além da vegetação nativa, cercas, currais, casas e quatro propriedades voltadas ao ecoturismo. Somente nos dois últimos dias, o fogo queimou mais de 90% da Chapada Imperial, a maior reserva particular da capital do país.

Admitindo não ter como conter essas chamas, o Corpo de Bombeiros brasiliense concentra todos os esforços para evitar outra tragédia ambiental. Desde o início da manhã de quarta-feira, dezenas de militares lutam contra o fogo na Estação Ecológica de Águas Emendadas, maior santuário de aves do DF e berço de alguns dos principais rios do país. Fechada a visitas, a unidade de conservação recebe somente pesquisadores ou participantes de projetos de educação ambiental. O incêndio fora de controle até o fim da noite de ontem já havia consumido 1,5 mil hectares e ameaçava 40 pesquisas científicas em andamento na reserva.

As labaredas que avançaram sobre o cerrado na Região Noroeste do DF deixaram um cenário desolador na Área de Preservação Ambietal (APA) de Cafuringa, em Brazlândia. As chamas consumiram pelo menos 5 mil hectares de mata, segundo a mais recente estimativa do Corpo de Bombeiros. Mas o desastre ambiental pode ser ainda maior, já que o sobrevoo de reconhecimento da área ocorreu antes dos focos terem sido totalmente extintos. Cada hectare equivale a um campo de futebol aproximadamante.

A Chapada Imperial em Braz-lândia teve quase todos os 4 mil hectares queimados. O fogo chegou perto da sede, mas os bombeiros socorreram a tempo de salvar as construções e as principais trilhas, que levam às mais de 50 quedas d`águas e continuam abertas à visitação, apesar do cenário desolador ao redor. Outras propriedades da região, no entanto, não tiveram a mesma sorte. A Pousada Terraviva, o Hotel Fazenda Paraíso na Terra e o Instituto Teosófico tiveram chalés e cabanas destruídos. Dez dias atrás, ainda em Brazlândia, o fogo destruiu 177 hectares do Parque Ecológico Terraviva, na Chapada da Contagem, e quase toda a pousada erguida no santuário ecológico.

Prejuízos Na manhã de ontem, os donos da Chapada Imperial contavam os prejuízos. As maiores perdas eram as árvores frutíferas. Os cajueiros-do-cerrado estavam carregados, mas, em vez da cor vermelha típica, os frutos estavam negros, assim como todas as árvores e tudo em volta. O mesmo ocorreu com as mangabeiras e os pés de bacupari. A queimada atingiu a reserva na época de floração de duas das espécies mais apreciadas do cerrado, o pequi e o murici, que tiveram as flores carbonizadas. ¿A quantidade de sementes queimadas é imensurável¿, afirmou Marcelo Imperial, um dos proprietários.

No Hotel Fazenda Paraíso na Terra, vizinha à Chapada Imperial, o fogo destruiu quatro cabanas com cobertura de palha. ¿Fizemos aceiros em julho, mas o fogo veio pelo lado do rio. O vento era tanto que as tochas voavam longe¿, contou Neusimar da Silva Moreira, 40 anos, funcionário da fazenda e um dos voluntários no combate ao incêndio. Ontem, ele caminhava no meio das cinzas e mostrava troncos queimados. ¿Aqui era um pomar com 200 mudas. Tinha jambo, goiaba, cajá e acerola. Agora está tudo destruído¿, lamentou. Apenas as construções de alvenaria cercadas por gramados ficaram intactas.

No Instituto Teosófico, a cor branca do templo de meditação destoava da paisagem. ¿As labaredas chegaram a 10 metros de altura, contornaram o rio e queimaram tudo¿, disse Clarimundo José Barbosa Neto, administrador do instituto. Ele reclamou da demora do atendimento dos bombeiros. ¿No domingo, quando começou o fogo, a gente ligou várias vezes para os bombeiros, mas não apareceu ninguém.¿

Prejuízo maior teve o dono da Pousada Ecológica Terraviva, Marcos Silveira. Ele perdeu 2 mil metros quadrados de área construída. ¿Foram dois centros de convenções, um salão de jogos, uma biblioteca, um salão da arte, a recepção, uma pizzaria e o clube de xadrez, além de toda a reserva ambiental¿, contabilizou. Segundo Marcos, o fogo queimou 210 dos 220 hectares de cerrado da pousada. Para ele, a culpa é dos chacareiros da região, que fazem queimadas para limpar o terreno. ¿Essas pessoas têm que ser punidas. É um absurdo o grau de irresponsabilidade de alguém que faz uma coisa dessas.¿

Falta material Sem equipamento e pessoal para debelar o fogo em Brazlândia, o Corpo de Bombeiros mandou todas as forças especializadas no combate a incêndios para Águas Emendadas. Desde quarta-feira, mais de 150 militares se revezam na tentativa de conter as chamas espalhadas por vários pontos. Na manhã de ontem, eles chegaram a comemorar o controle dos focos de incêndio, mas, à tarde, com a baixa umidade, o calor e o forte vento, as labaredas voltaram com mais força. ¿Além das condições climáticas, não temos carros suficientes para chegar a todos os pontos¿, comentou a responsável pela logística dos bombeiros no local, major Shirlene Costa.

Os bombeiros contavam com apenas cinco picapes com tração nas quatro rodas, único tipo de veículo capaz de rodar pela mata fechada. Cada um leva, no máximo, cinco militares. Os demais eram transportados em um ônibus e uma van, que circulavam apenas no entorno da reserva de 10 mil hectares. Sem outra opção, alguns bombeiros eram transferidos de uma área para outra do parque por meio de helicóptero, o que tornava a operação mais arriscada e cara. O Corpo de Bombeiros do DF não tem avião ou helicóptero próprios para o combate a incêndios florestais, com capacidade para jogar grande quantidade de água sobre fogo.

Buritizais Para o gerente de Unidades de Conservação do Instituto Brasília Ambiental (Ibram), Ronaldo Soares, os incêndios na APA da Cafuringa e na Estação Ecológica de Águas Emendadas ocasionaram ¿perdas inestimáveís¿. No caso de Águas Emendadas, houve prejuízo maior da biodiversidade. ¿O fogo atingiu uma área bastante sensível de veredas, com a presença de buritizais. A área faz parte de matas ciliares dos córregos e bacias, o que afeta a reposição dos aquíferos e a qualidade dos recursos hídricos¿, disse.

Águas Emendadas(1) tem espécies raras e sensíveis, como tamanduá-bandeira, tamanduá-mirim e lobo-guará. Mas Soares acredita que répteis e anfíbios foram os mais afetados. Os animais de grande porte têm maior capacidade de fuga. A recomposição do bioma é lenta. Quando o fogo for controlado, será necessário implantar um projeto de recuperação de áreas degradadas, previsto no plano de manejo do parque.

1 - Santuário A reserva ecológica de Planaltina abriga 307 espécies de pássaros e é uma das três regiões do DF classificadas como IBA (Important Bird Area), sigla em inglês que identifica uma área importante para conservação de aves. Divulgado em fevereiro, o estudo internacional é importante para alertar sobre a necessidade de preservação tanto dos pássaros que vivem na cidade quanto das reservas ecológicas da capital federal.

O número Mais destruição 6,2 mil hectares de cerrado haviam queimado até 31 de agosto

O número 67,5% mais do que a área consumida pelo fogo ano passado

Confira a galeria de fotos dos vários focos de incêndios no Distrito Federal.

Para saber mais Fenômeno único

Criada em 1968, a Estação Ecológica de Águas Emendadas foi declarada pela Unesco área nuclear da Reserva da Biosfera do Cerrado em 1992. Ela tem esse nome por se tratar de um fenômeno hidrográfico de dispersão de águas, fluindo a partir de um mesmo ponto para lados opostos, formando a Bacia Amazônica e a Bacia Platina. Para o Norte, o Córrego Vereda Grande alimenta o Rio Maranhão, que desagua na Lagoa da Barragem de Serra da Mesa e continua pelo Rio Tocantins até alcançar o Rio Araguaia e seguir para o Oceano Atlântico, na foz do Rio Amazonas, próximo à Ilha de Marajó; para o Sul, o Córrego Brejinho engrossa o Córrego Fumal que encontra o Rio Pipiripau e conflui para o Rio Mestre d'Armas, formando o Rio São Bartolomeu, que, por sua vez, corre para o Rio Corumbá e deste para o Rio Paranaíba, formando então o Rio Paraná, indo finalmente desaguar no estuário do Prata.