Título: Varig vai a leilão em cenário de incerteza
Autor: Janaina Vilella e Vanessa Adachi
Fonte: Valor Econômico, 08/06/2006, Empresas, p. B3

Às vésperas de completar um ano em fase de recuperação judicial, a Varig vai a leilão hoje em um cenário de incertezas resultante do risco de transferência de dívidas fiscais e trabalhistas para o eventual comprador.

A juíza da 2ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, Márcia Cunha, que acompanha o processo de recuperação da Varig com outros dois juízes desde a instauração do caso, em 17 de junho de 2005, descarta a hipótese de a companhia não ser vendida hoje.

"Não estamos considerando essa possibilidade (de não vender). Ela é remotíssima. Mas, caso aconteça, a empresa teria que buscar outras formas de se capitalizar. Do contrário, acabaria indo à falência", disse a juíza.

Seis empresas compraram o acesso ao data room para ter direito às informações estratégicas sobre a Varig. São elas: Gol, TAM, TAP (por meio da Aero-LB), OceanAir, o fundo de investimentos americano Brooksfield (representado pelo escritório Ulhôa Canto, Rezende e Guerra), e o grupo Amadeus Brasil, especializado em reservas de passagens. O acesso aos dados não significa que as empresas irão participar do leilão.

As duas maiores companhias aéreas do país, TAM e Gol decidiram ficar fora do leilão, segundo apurou o Valor. Ambas apenas enviarão funcionários e advogados para acompanhar o desenrolar do processo, como espectadoras. Tanto Gol quanto TAM avaliaram que a insegurança jurídica quanto ao risco da herança de dívidas é muito grande. Haveria mais a perder do que a ganhar, mesmo considerando o cenário de agir para barrar o ingresso de um novo concorrente que venha a adquirir a Varig.

A TAM chegou a destacar um grande número de auditores para conferir os dados da Varig no data-room, criando expectativa positiva nos vendedores. TAM e Gol hoje são companhias com ação em bolsa, inclusive listadas em Nova York, e sujeitas às rigorosas regras americanas. Portanto, seu conservadorismo tende a ser ainda maior.

A divulgação do parecer da Procuradoria da Fazenda Federal a respeito da sucessão de dívidas fiscais no fim do dia, entretanto, fez com que as empresas realizassem reuniões de última hora para considerar o seu impacto e, a luz da análise, reavaliar posições. Mas o documento não alterou a avaliação.

Segundo uma fonte envolvida no processo consultada pelo Valor, o parecer é bastante claro ao dizer que não haverá sucessão de dívidas desde que após a venda restem recursos suficientes na Varig em recuperação para pagar os credores. "Se houvesse esse dinheiro, nem estaríamos discutindo a sucessão", disse o executivo.

Apesar dos rumores sobre a dificuldade da Ocean Air, de German Efromovich, de viabilizar uma proposta, a empresa estará presente ao leilão e, de acordo com uma fonte, com a intenção de fazer lances. "Serão levados dez envelopes", disse essa fonte ligada à empresa.

Fontes do mercado acreditam que a TAP e a Amadeus não estariam interessadas em participar do pregão e sim em ter acesso às informações financeiras e operacionais da companhia.

Comentava-se no mercado que a WebJet participaria do leilão em consórcio com o fundo Brooksfield. Da mesma forma, fonte ligada a uma grande empresa aérea disse o magnata russo Boris Berezovski estaria se articulando com uma aérea de menor porte para fazer lances.

Trabalhadores do Grupo Varig (TGV), por meio de uma sociedade de propósito específico ( SPE) chamada NV Participações, chegaram a protocolar no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) uma proposta para participar de um empréstimo-ponte para a Varig e poderia dar lances hoje. Na época, o Paulo Rabello de Castro, consultor econômico do TGV, disse que haviam negociações em curso com investidores locais e de fora do país para tentar formar uma espécie de consórcio para participar do leilão, do qual a NV Participações poderia ser uma investidora minoritária.

Tentativas malsucedidas de capitalização da Varig neste último ano levaram a empresa e os credores a alterar o plano de recuperação judicial duas vezes.

Mas nem mesmo a injeção de capital resultante da venda de dois de seus ativos mais valiosos, as ex-subsidiárias VarigLog (transporte de cargas e logística) e VEM (manutenção), foi suficiente para a aérea conseguir honrar o pagamento de gastos correntes, principalmente de combustível e aluguel de aviões.

Com o caixa apertado, a companhia montou uma verdadeira operação de guerra para continuar voando. Renegociou prazos de pagamento com a BR Distribuidora, uma de suas principais credoras, e conseguiu uma liminar da Justiça americana que a protege até a próxima terça-feira contra o arresto dos aviões por empresas de leasing dos Estados Unidos.

Quem arrematar a Varig levará apenas uma pequena parcela daquela que já foi a maior empresa aérea do país: a marca, 70 "slots" (horários de pouso e decolagens) no mercado doméstico e 30 no internacional e espaços nos aeroportos. A retirada do leilão de alguns "slots" da empresa no aeroporto de Congonhas que já não estavam sendo usados pela aérea desestimulou investidores.

O risco de sucessão tributária e trabalhista na operação, o que significa, na prática, que os interessados podem herdar as principais dívidas da Varig, também tem preocupado essas empresas. Nem mesmo o parecer do juiz da 1ª Vara Empresarial do Rio, Luiz Roberto Ayoub, que conduz o processo de recuperação da aérea, no qual considera que o vencedor do leilão da aérea não herdará dívidas trabalhistas, estimadas em R$ 200 milhões, foi suficiente para dar segurança a alguns investidores.

Na avaliação de analistas ouvidos pelo Valor, a venda da Varig para a TAM consolidaria a posição dessa empresa como líderes de mercado doméstico e internacional. O mesmo ocorreria com a Gol, se a empresa estivesse interessada na compra. Se Gol ou TAM comprassem a Varig, restaria ainda menos espaço de crescimento para OceanAir, BRA e WebJet. No entanto, segundo um executivo de uma das duas grandes, dificilmente o governo permitira a polarização do mercado entre duas companhias apenas e tenderia a incentivar o crescimento de uma terceira participante.

Segundo especialistas, como estas empresas ainda estão em crescimento no mercado doméstico não teriam fôlego financeiro para entrar sozinhas em um negócio deste porte, a menos que se associassem a alguma instituição financeira ou fundo de investimento. Um consultor que preferiu não ter seu nome revelado disse que a TAM poderia ter gastos adicionais de manutenção, caso comprasse a aérea, uma vez que, como opera aviões Airbus, não possui sistemas de manutenção para os aviões da Boeing, hoje utilizados pela Varig. Ele ressaltou, no entanto, que a empresa poderia alugar as instalações e serviços da VEM, que faz a manutenção dos dois modelos de aeronaves.

No leilão, os investidores poderão optar por adquirir a Varig Operacional completa, que engloba os ativos totais da empresa (rotas nacionais e internacionais), ou apenas a parte doméstica. O edital fixou preços mínimos para as duas modalidades de venda: a operação nacional, por US$ 700 milhões, e a empresa completa, por US$ 860 milhões. Nos dois modelos de venda estão excluídas as dívidas da companhia, estimadas em R$ 7 bilhões.

O passivo ficará concentrado no caso da venda da Varig completa, na Varig Comercial, e no caso de venda das operações domésticas, na Varig Internacional. Marcelo Gomes, diretor da Alvarez & Marsal, encarregada da reestruturação da empresa, explicou que o dinheiro arrecadado com a venda da companhia será usado para abater as dívidas com os credores da Varig. O restante do débito, diz Gomes, seria quitado com o pagamento das perdas referentes ao congelamento de tarifas durante os planos Collor e Verão e créditos de ICMS devidos pelos Estados.

O vencedor terá três dias para fazer um aporte de US$ 75 milhões na companhia. Se o processo de compra não for concluído em 30 dias, uma vez que a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e a Justiça do Rio terão que fazer análises financeira, jurídica e regulatória da empresa ganhadora, o vencedor terá que fazer um novo aporte de US$ 50 milhões. Se o negócio não for aprovado, o processo continua com o concorrente que tiver oferecido a segunda melhor oferta.