Título: Supremo deve regulamentar o direito de greve dos servidores
Autor: Fernando Teixeira
Fonte: Valor Econômico, 08/06/2006, Legislação &, p. E1
O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou ontem uma mudança radical na sua jurisprudência e sinalizou que deve regulamentar o direito de greve dos servidores públicos. Os ministros mostraram-se dispostos a mudar o tratamento da corte aos mandados de injunção - usados para coibir omissões do Legislativo em regulamentar direitos constitucionais. Tradicionalmente, o Supremo limitava-se a notificar o Congresso Nacional sobre o atraso na aprovação de leis que regulamentem a Constituição de 1988. No caso da greve dos servidores, nenhuma lei foi aprovada até hoje, embora tramitem na Câmara dos Deputados 12 projetos de lei sobre o tema.
O julgamento do mandado de injunção apresentado pelo Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado da Paraíba acabou suspenso por um pedido de vista do ministro Ricardo Lewandowiski. Antes disso, contudo, votos do relator do processo, Eros Grau, e de Gilmar Mendes determinaram a aplicação da lei de greve do setor privado - a Lei nº 7.783, de 1989 - aos servidores públicos. Pelos votos, a lei seria aplicada enquanto o Congresso não aprovar uma lei específica sobre o assunto.
Outros três ministros - Sepúlveda Pertence, Carlos Britto e Marco Aurélio de Mello - não votaram, mas ao longo dos debates deram indícios de que seguirão a mesma linha. Nenhum dos demais ministros levantou objeções. Os debates limitaram-se a definir o alcance da decisão, avaliando a conveniência de fazer alterações à lei de greve do setor privado para adequá-la aos servidores, proposta inicial de Eros Grau. Para o ministro, é necessário alterar o texto para deixar clara a necessidade de manter o funcionamento de serviços públicos, principalmente os essenciais. Gilmar Mendes, por sua vez, propôs a simples adoção da Lei nº 7.783, onde já há previsão sobre a manutenção de serviços essenciais. Eros Grau acabou adaptando sua posição à de Gilmar Mendes, mantendo apenas uma ressalva sobre a continuidade dos serviços públicos essenciais.
Os ministros envolvidos no debate demonstraram ter superado a posição tradicional da corte sobre a separação dos poderes. Segundo a jurisprudência do Supremo, o tribunal não poderia regular o direito de greve, sob pena de substituir o legislador. Assim, o mandado de injunção se limitava a reconhecer a demora do legislador e oficiar o Congresso. A crítica levantada pelos ministros na sessão de ontem é a de que esse posicionamento torna a ação inócua. "Não vejo como justificar a inércia legislativa e a inoperância das decisões dessa corte. A não-atuação nesse momento já se configuraria como uma omissão judicial", afirmou Gilmar Mendes.
Segundo Eros Grau, a decisão do Supremo não implica na edição de uma lei, mas de uma norma, assim como ocorre na edição de uma súmula vinculante, que é um texto normativo. "Não há que se falar em agressão à separação dos poderes. A Constituição é que prevê o mandado de injunção", diz. De acordo com Eros Grau, não se trata de uma demora na aprovação da legislação, no que não caberia a medida, mas de uma resistência do legislador à sua aprovação. Gilmar Mendes também observou que a falta de regulamentação acaba sendo cômoda para todos os lados. Por um lado, o governo não quer reconhecer o direito de greve, e por outro, sem regras, os servidores vivem sob uma "lei da selva" na área.
Para o presidente da Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (Abrat), Osvaldo Sirota Rotbande, se mantido, o posicionamento legitima a greve dos servidores e deverá ser positivo para os sindicatos. Apesar de as greves de servidores serem recorrentes hoje em dia, elas ocorrem em situações-limite, pois há uma boa dose de insegurança jurídica. Os sindicatos dependem de liminares evitando o corte de ponto e a exoneração dos grevistas, pois, ao contrário do setor privado, não há nenhuma previsão sobre o assunto. Hoje, diz o advogado, a jurisprudência já é mais favorável aos trabalhadores e decisões do tipo são mais comuns. Mas o posicionamento não é pacífico e os trabalhadores ficam expostos a retaliações de seus empregadores.