Título: O que está acontecendo com a economia mundial?
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 12/06/2006, Opinião, p. A11

No dia 10 de maio as bolsas mundiais começaram a cair. De lá para cá o S&P500 (um índice de ações da bolsa de Nova Iorque) reduziu-se 5% e a bolsa de São Paulo 16%. Ao mesmo tempo as taxas de juros para países emergentes subiram e as moedas destes desvalorizaram-se. O que está acontecendo? Desde junho de 2004 as taxas de juros de curto prazo nos EUA estão se elevando. Na área do euro, desde dezembro de 2005. No Japão, foi anunciado que haveria algum aumento de juro para logo (espera-se até o fim do ano).

A taxa de juros está intimamente ligada à atividade econômica. Quando a taxa de juros sobe, tornam-se mais atrativos os investimentos em títulos públicos. Desta forma, se uma empresa quer fazer investimentos em um novo projeto, é preciso considerar que o retorno obtido tem que ser superior ao da aplicação em títulos do governo. Do contrário, seria melhor deixar de investir, e aplicar os recursos em títulos públicos. Da mesma maneira, se uma pessoa quer comprar um bem durável, por exemplo, um automóvel, deve considerar o custo alternativo de aplicar em títulos governamentais. O mesmo raciocínio acima pode ser utilizado para o caso da firma ou do indivíduo terem que tomar emprestado os montantes necessários para o investimento, ou a aquisição: toda vez que sobe a taxa de juros da economia, os financiamentos ficam mais caros. Em outras palavras, quando a taxa de juros sobe, tanto as empresas investem menos, quanto as pessoas compram menos bens duráveis. Isto tem como conseqüência uma diminuição da atividade econômica, já que há menos demanda pelos bens e serviços da economia como um todo. E, vice-versa, quando cai a taxa de juros, aumenta a atividade econômica.

Por sua vez, uma redução na demanda de bens e serviços, faz com que haja uma menor pressão sobre os preços. Assim, este é o mecanismo pelo qual as taxas de juros influenciam a taxa de inflação. Por este motivo, o principal instrumento que é utilizado pelos bancos centrais para controlar a inflação é a taxa de juros. Apenas à guisa de esclarecimento, muitas vezes diz-se que um banco central controla a liqüidez. Liqüidez é uma denominação da quantidade de moeda em circulação em uma economia. Há várias formas de olhar para isto, mas em geral esta palavra refere-se à soma do papel moeda que está com o público não-bancário mais os depósitos à vista. Toda vez que elevam-se os juros, os indivíduos têm menos desejo de deixar recursos parados na sua conta corrente ou de deter moeda. Portanto, maiores taxas de juros também significam menos liqüidez.

Altos preços de commodities não refletem só o aquecimento demasiado da economia global, mas a emergência da China como grande economia mundial Em geral há uma defasagem entre a ação dos juros sobre a atividade econômica e desta sobre os preços. Primeiro, um aumento da taxa de juros reduz o ritmo de crescimento da economia. A seguir, esta queda na atividade causa uma queda nos preços. Por este motivo, para combater um surto inflacionário, é preciso elevar a taxa de juros ao primeiro sinal de que a inflação vai (ou está no processo de) subir. Ora, se o ritmo de expansão da economia está forte comparado com a média histórica, então, mesmo que não tenha havido ainda aumento na inflação, é provável que os preços venham a subir mais rapidamente no futuro. Assim sendo, todos os bancos centrais tentam observar qualquer indício de que a atividade econômica esteja se expandindo mais do que o desejado. Se este for o caso, as taxas de juros devem ser imediatamente elevadas, para combater a inflação que ocorreria se o aumento dos juros não fosse feito.

Há algumas evidências de que uma restrição na liquidez internacional deve ser feita: 1) a economia global tem crescido muito, saltando de 2,6% em 2001, para uma média de 5% ao ano entre 2004 e 2006 (em 2006 com a estimativa do Banco Mundial); 2) a inflação mundial tem se elevado desde 2002, de 3,4% ao ano para 3,8% ao ano em 2005; 3) os preços do petróleo subiram muito a partir de 2004; 4) as bolsas de valores e as commodities, não-petróleo, também tiveram aumentos expressivos de preços desde fins de 2002. Ou seja, de fato há sinais que apontam que há um excessivo aquecimento na atividade econômica global, de modo que os bancos centrais das principais economias têm que agir de forma a evitar um surto inflacionário. O problema básico é: até quanto os juros internacionais têm que subir? Tendo em vista que os EUA são a maior economia do mundo, o aumento mais importante é dos juros americanos. Esta é a principal dúvida que permeia esta grande redução recente dos valores das ações - há grande temor que sejam necessárias mais elevações dos juros norte-americanos. A extensão desta elevação adicional é que está sendo avaliada todos os dias. Como é um período de grande incerteza sobre este assunto, as oscilações dos preços das bolsas têm sido muito grandes, ao menor sinal para um ou outro lado.

Há duas hipóteses que estão sendo consideradas. A primeira, mais radical, diz que os preços do petróleo e das commodities não-petróleo são os sintomas de que a economia mundial está aquecida. E que o aumento de juros terá que ocorrer até que estes preços caiam substancialmente. Esta teoria tem uma conseqüência muito importante: não só isto significa uma elevação adicional grande dos juros norte-americanos, o que teria efeitos muito negativos sobre o crescimento da economia internacional, mas também que o preço das exportações brasileiras seria muito afetado. Isto porque a pauta de exportações brasileiras é composta de cerca de 60% de commodities. Portanto, se tal fosse o caso, o Brasil sofreria muito, com uma expressiva queda no saldo comercial, o que acarretaria uma forte desvalorização do real, com todos os impactos negativos que adviriam daí.

A segunda hipótese, e que é a mais provável, é que os altos preços das commodities não refletem apenas um aquecimento demasiado da economia global. Existe um outro fator muito importante: a emergência da China como uma grande economia mundial. As evidências estatísticas mostram que a taxa de crescimento da economia chinesa passa a ser muito relevante para o preço das commodities, principalmente a partir da segunda metade dos anos 90. Logo, a alteração no preço das commodities tem um caráter mais permanente e deve refletir uma mudança de preços relativos em boa parte. Sendo esta a hipótese mais plausível é, portanto, mais provável que o aumento dos juros ainda continue, mas não vá afetar demais a atividade econômica nos EUA, nem o preço das commodities. O que quer dizer que no caso do Brasil as contas externas continuarão bem, o que é fundamental para a estabilidade de nossa economia no médio prazo.