Título: Importação cresce mais e tira espaço da produção local
Autor: Sergio Lamucci e Raquel Salgado
Fonte: Valor Econômico, 07/06/2006, Brasil, p. A3

Os bens importados estão se beneficiando mais do crescimento da economia do que a produção doméstica. De janeiro a abril, o volume de importações de produtos como material elétrico, vestuário, calçados e equipamentos eletrônicos aumentou muito mais do que a fabricação local desses bens. Em alguns casos, a importação cresceu e a produção doméstica encolheu, na comparação entre cálculos da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex) feitos a pedido do Valor e dados divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O movimento reflete principalmente a valorização do câmbio, segundo economistas. No período analisado, as compras externas de artigos de vestuário subiram 23% em volume em relação ao quatro primeiros meses de 2005, enquanto a produção local recuou 6,8%. Há casos em que a produção industrial cresceu razoavelmente, como a de equipamentos eletrônicos, que teve aumento de 16,2% de janeiro a abril. Porém, a quantidade importada destes bens subiu a um nível ainda mais forte, de 45%.

Além de indicar que dentro de um mesmo setor a indústria local está perdendo espaço para os importados, os dados do primeiro quadrimestre também mostram que os fabricantes locais estão aumentando o uso de componentes e insumos importados. Nos 12 meses encerrados em abril (em relação aos 12 meses anteriores), a indústria produziu 2,6% mais. Na mesma comparação, a importação de bens intermediários e matérias-primas aumentou 8,3%, enquanto a produção local dessa categoria de produtos aumentou só 0,8%.

Também os investimentos produtivos estão usando uma parcela maior de itens importados em detrimento da oferta doméstica. A produção da indústria local de bens de capital cresceu 4,9% nos 12 meses encerrados em abril, enquanto a importação avançou 29%, na mesma comparação, segundo números elaborados pela Rosenberg & Associados, com base em dados do IBGE e da Funcex.

O economista-chefe da corretora Convenção, Fernando Montero, chama a atenção para o fato de que a produção de bens intermediários (insumos e matérias-primas) aparece estacionada há quase dois anos, parada nos níveis do segundo semestre de 2004. Para ele, o aumento das importações e a queda das exportações desses bens parecem as principais explicações para esse processo, uma vez que a economia brasileira segue crescendo. Um dos problemas é que isso segura o desempenho geral da indústria, pois os intermediários respondem por mais da metade da produção industrial. "O câmbio próximo de R$ 2 não sai de graça."

Os números divulgados ontem pelo IBGE mostram que, de janeiro a abril, a produção de bens intermediários para veículos automotores caiu 1,8% em comparação com o mesmo período de 2006, enquanto a fabricação de bens finais para veículos avançou 8,7%. No mesmo período, o volume de importação de peças e outros veículos aumentou 9%. Os números sugerem que as empresas do setor passaram a usar um maior número de insumos importados. Esse movimento também fica evidente no setor têxtil, em que as compras externas mostram expansão de 39% de janeiro a abril, ao passo que a fabricação local sobe 2,5%.

Para Montero, a perspectiva de crescimento da economia em geral - e em particular de setores como construção civil e petroquímica - deve puxar para cima a produção de bens intermediários daqui para frente. O risco para esse cenário é que o aumento de importações e o recuo de exportações afetem esse processo, avalia.

A economista Thaís Marzola Zara, da Rosenberg, diz que esse processo começou com bens de capital e bens intermediários, mas já afeta bens finais, como vestuário e calçados. "Há uma grande participação do câmbio nesse processo, embora seja difícil quantificar o impacto", afirma ela. "O câmbio se valorizou demais."

A importação de bens de capital mostra um dinamismo muito mais forte do que a produção local de máquinas e equipamentos, como ressalta Thaís. Ela lembra que o crescimento significativo das compras externas é positivo por trazer novas tecnologias ao país, mas também prejudica a indústria nacional em outros.

Os dados do IBGE divulgados ontem também mostram que os setores que puxaram a produção da indústria brasileira no primeiro quadrimestre são aqueles que utilizam muitos componentes importados. Três setores - indústria de máquinas para escritório e informática, material eletrônico e de comunicação e aparelhos e máquinas elétricas - contribuíram com 54% do aumento de 2,9% na produção de janeiro a abril deste ano.

Esses segmentos industriais estão sendo beneficiados por uma demanda interna aquecida e por preços menores em suas matérias-primas, uma vez que boa parte delas é importada, explica o economista Edgard Antonio Pereira, diretor-presidente da Edgard Pereira Associados. Ao mesmo tempo, afirma Pereira, o crescimento desses setores impulsiona as importações brasileiras.

As indústrias com boa parte da produção voltada para a exportação, contudo, estão com um desempenho mais fraco ou até negativo. A fabricação de calçados contribuiu negativamente (menos 2,4%) para o conjunto da produção industrial. O mesmo ocorreu com metalurgia (menos 3,1%) e vestuário (menos 3,4%).

O setor de alimentos foi o que trouxe o maior impacto negativo à atividade industrial como um todo. No primeiro quadrimestre, sua produção cedeu 0,13%, o que significou uma contribuição negativa de 4,5% na taxa total. "As quedas mais importantes foram na produção de soja e açúcar, itens importantes da pauta exportadora."

Além do maior fôlego nos setores importadores, o crescimento da indústria também está concentrado. Entre os 27 segmentos pesquisados pelo IBGE, 18 tiveram alta na produção e nove caminharam em sentido contrário. "As atividades que mostram queda são aqueles que ou exportam muito ou sofrem com a concorrência de produtos importados no mercado doméstico", afirma Pereira.