Título: Para procuradoras, Refis 3 beneficia quem frauda o fisco
Autor: Arnaldo Galvão
Fonte: Valor Econômico, 07/06/2006, Brasil, p. A5

A reabertura do Programa de Recuperação Fiscal (Refis) - aprovada no Congresso Nacional e conhecida como Refis 3 - permitirá a volta de empresas excluídas desse parcelamento de dívidas tributárias sem limite no tempo. Essa possibilidade, contudo, vem provocando fortes reações de quem tem a obrigação de cobrar centenas de bilhões de reais para os cofres federais. A procuradora da Fazenda Nacional Patrícia de Seixas Lessa é a chefe da Coordenação de Grandes Devedores e alerta que o retorno do Refis "vai jogar no lixo seis anos de trabalho".

Depois de incontáveis tentativas dos parlamentares, a polêmica volta do Refis foi aprovada em 23 de maio no Congresso e aguarda, até 13 de junho, sanção ou veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As pressões são enormes. Em ano eleitoral, os parlamentares têm mais poder para defender junto ao governo a medida que aprovaram e querem a sanção. Mas contra o Refis, destaca-se a posição do Ministério da Fazenda.

Patrícia informa que, desde a aprovação do Refis (Lei 9.964 de 10 de abril 2000), quase 80% das empresas foram excluídas desse programa, geralmente por inadimplência ou fraude. O estoque representado pelos débitos das 24 mil pessoas jurídicas que ainda permanecem no Refis é de quase R$ 53 bilhões. A procuradora confirma a intimidade entre grandes devedores e os programas de parcelamento. Patrícia informa que, no Refis, as garantias são insuficientes e as parcelas pagas são irrisórias em relação às dívidas. "Aproximadamente 90% dos grandes devedores do Refis não vão pagar o que devem", adverte Patrícia.

A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) também combate o fato de empresas concessionárias de serviços públicos integrarem o grupo de grandes devedores nos programas de refinanciamento de dívidas tributárias. Por lei, essas concessionárias têm de manter a regularidade fiscal, mas, beneficiando-se desses programas de parcelamento de débitos, deixam de cumprir suas obrigações sem perder os contratos. Os setores de telecomunicações, energia elétrica e transportes são, segundo Patrícia, três exemplos dessa tolerância.

A principal causa de exclusão do Refis, segundo a PGFN, é a suspensão da atividade da empresa devedora porque a lei permite que as parcelas do programa sejam limitadas a um percentual (entre 0,3% e 1,5%) do faturamento. Portanto, sem faturamento, não há o que pagar. Isso faz com que a fraude mais comum praticada pelos empresários desse grupo de grandes devedores seja a criação de outra pessoa jurídica para continuar no mercado. A original fica congelada junto com seus passivos.

Depois de três anos de aprovado o Refis, o Congresso deu uma segunda oportunidade para os devedores de tributos. O Parcelamento Especial (Paes) - Lei 10.684 de 30 de maio de 2003 - foi o resultado do recorrente lobby dos devedores, mas trouxe regras diferentes. Depois de pesadas críticas contra a benevolência do Refis, os parlamentares limitaram em 180 meses o prazo para o refinanciamento.

Segundo a PGFN, apesar de o Paes ser um programa de apenas três anos, as taxas de exclusão são altíssimas: quase 53% para pessoas jurídicas e mais de 67% para pessoas físicas. O estoque da dívida que ainda é paga por meio do Paes é de pouco mais de R$ 61 bilhões.

Lúcia Fernandes Martins é coordenadora dos parcelamentos na PGFN e também integra a Secretaria Executiva do Comitê Gestor do Refis. Ela diz que, para a educação tributária da sociedade brasileira, a volta do Refis é um desestímulo aos que cumprem suas obrigações. Além disso, afirma que a volta do Refis também é fator de concorrência desleal entre as empresas e de aumento da carga tributária. A tolerância com sonegadores faz com que os demais contribuintes tenham de financiar esse rombo.

Patrícia e Lúcia revelam que representantes de grandes devedores, quando intimados para apresentarem documentos ou informações, afirmam que não compensa ter tanto trabalho porque, no Congresso, conseguem aprovar a volta ao Refis ou outro programa que, na prática, significa autorização para não pagar tributos.

"É freqüente verificar fraude, dolo e simulação quando enfrentamos grandes devedores no Refis e no Paes. Mas a estrutura para fiscalizar é insuficiente. Esses recorrentes parcelamentos são como dar um tiro no pé. Desperdiçam o nosso trabalho", critica Patrícia. A PGFN tem apenas 34 procuradores em todo o Brasil, dedicados exclusivamente às cobranças de grandes devedores - acima dos R$ 10 milhões. Esse grupo é responsável por trazer de volta aos cofres federais R$ 123,7 bilhões, o que representava 40% da dívida ativa da União em outubro de 2005.

Agora, três anos depois do Paes, o lobby devedor obteve outra vitória. Conseguiu incluir a reabertura do Refis no projeto de conversão da Medida Provisória que reajustou em 8% a tabela de retenção na fonte do Imposto de Renda das pessoas físicas. Os devedores excluídos do Paes também poderão pedir sua volta ao Refis.