Título: Por que o Congresso deve aprovar a MP 281
Autor: Alfredo Neves Penteado Moraes
Fonte: Valor Econômico, 07/06/2006, Opinião, p. A12

Está nas mãos do Congresso Nacional uma decisão que pode afetar de maneira significativa o futuro próximo da economia brasileira: a aprovação da Medida Provisória 281, que concedeu isenção para investidores não-residentes no país do Imposto de Renda incidente sobre aplicação em títulos públicos federais. Editada em fevereiro, a medida teve total respaldo e apoio do mercado financeiro e da Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro (Andima), que no final do ano passado lançou um estudo denominado "Dívida Pública: Participação do Investidor Estrangeiro", no qual examinava o tema em profundidade. Nesse trabalho, como exposição de motivos e justificativa para o tratamento fiscal diferenciado, a associação evidenciou quais seriam as chamadas externalidades positivas geradas pela presença daqueles agentes em nossa economia, ou seja, benefícios capazes de transcender o ato econômico em si mesmo.

A primeira delas é a de que, enquanto os investidores nacionais, por razões históricas, apresentam elevada preferência por liquidez, estando habituados a títulos de curto prazo, o estrangeiro que aqui aporta tem sua cultura voltada para instrumentos de prazo mais longo. Portanto, o crescimento de sua participação tende a induzir um aumento da maturidade da dívida por dois canais: direto, demandando uma parcela maior de títulos longos; e indireto, influenciando a formação de hábito dos poupadores domésticos. Foi isto o que ocorreu na maioria das economias que vêm "dando certo", como a mexicana, e que optaram por desonerar a entrada de capital externo no mercado de dívida doméstico.

Não há sinais de que a liberalização tenha provocado entradas excessivas e desestabilizadoras desse capital, mesmo porque o que determina a atratividade de um investimento é a sua relação risco-retorno, na qual a melhora na percepção de risco implica aumento de oferta, sendo indiferente se o estrangeiro coloca os recursos à disposição de tomador brasileiro - que por sua vez os internaliza - ou se, como pretendemos, ingressa com a moeda diretamente no mercado doméstico. Além disso, a presença do estrangeiro provoca uma concorrência saudável com os poupadores locais, levando as taxas de juros a convergir para parâmetros normais, sem traumas.

Países com participação expressiva no mercado internacional estão priorizando a atração de estrangeiros para seus mercados domésticos, inclusive diminuindo a colocação de dívida externa, caminho que, ao que tudo indica, será seguido pelo Brasil. Estudos do BIS e outros organismos internacionais reconhecem a vantagem de tomadores emitirem dívida denominada e liquidada em suas moedas nacionais, transferindo o risco cambial para os investidores. No caso brasileiro, em que a cultura da Taxa Selic está tão enraizada, a abertura de um mercado para taxas fixas ou ligadas a índices de preços, especialmente as de maior prazo, em um ambiente de migração não traumática, constitui-se em fator de peso a recomendar esta iniciativa de unificação dos mercados internacional e nacional de negociação de títulos brasileiros em moeda local.

Mudanças de humor podem atingir o país independentemente da presença de estrangeiros no mercado de dívida Da mesma forma, o crescimento do volume de papéis prefixados e a ampliação do número de players ajudam na expansão e aprofundamento do mercado secundário, concorrendo para: melhorar a formação de preço no segmento primário, com aumento da eficiência econômica; reduzir o risco para os aplicadores, via elevação da liquidez; e atenuar a preocupação das autoridades com a saúde financeira dos carregadores da dívida. Ao mesmo tempo, o estabelecimento de referências para o mercado de crédito privado possibilita a formação de curvas de taxas bem definidas.

O aumento da intermediação financeira resultante beneficia o crescimento econômico de longo prazo, dada a vasta evidência de que mercados de créditos maiores e mais eficientes afetam positivamente a produtividade e a acumulação de capital na economia. Adicionalmente, considerando-se que os investidores externos dispõem de um conjunto mais amplo de alternativas, seu interesse no mercado de dívida doméstica funciona como mecanismo de monitoramento da evolução da política econômica.

Com a instabilidade ocorrida recentemente, porém, surgiram temores de que a presença do investidor estrangeiro possa deixar o país mais vulnerável e exposto à oscilação dos mercados internacionais. É possível. Há que se considerar, no entanto, que as mudanças de humor internacional podem atingir o país independentemente da participação de estrangeiros no mercado de dívida pública. O recente movimento, inclusive, foi didático para demonstrar a importância do papel reservado ao investidor estrangeiro nesse mercado. Se a saída de parte dos agentes provocou certa oscilação, foi porque o segmento é pouco líquido e profundo, o que permite que a decisão de alguns players produza impacto excessivo sobre os preços.

Mas é justamente essa vulnerabilidade que se pretende evitar, por meio da ampliação da base de participantes do mercado, impulsionada pela cultura trazida pelo estrangeiro. Em outras palavras, a questão que se apresenta é: esperar o mercado se fortalecer para atrair o estrangeiro ou contar com a ajuda dele para acelerar o fortalecimento do mercado, mesmo correndo riscos de, aqui e ali, enfrentar episódios de volatilidade? Para nós, não resta dúvida de que a segunda opção é a mais indicada, não apenas tecnicamente, mas também do ponto de vista competitivo, por igualar o Brasil à prática já eleita e adotada pela maioria dos países desenvolvidos e em desenvolvimento.

As vantagens proporcionadas por uma economia aberta, com fluxo de comércio de capitais livre, em que pese sua maior vulnerabilidade a crises exógenas, são infinitamente maiores do que os aparentes benefícios gerados por políticas protecionistas e isolacionistas de modelos fechados. Competitividade e criação de oportunidades decorrem de reação e superação de desafios, o que só é possível quando enfrentamos os riscos de concorrer. Por essa razão, a Andima espera que o Congresso não apenas aprove a MP 281, mas também, em uma etapa de aperfeiçoamento da medida, estenda o benefício da isenção tributária aos títulos privados, em especial os de dívida corporativa, como as debêntures, cujo mercado está em franca expansão, com enorme efeito multiplicador de progresso.

Alfredo Neves Penteado Moraes é presidente da Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro (Andima).