Título: Grande consumidor fica livre da conta apagão
Autor: Daniel Rittner
Fonte: Valor Econômico, 07/06/2006, Empresas, p. B7

Em uma disputa avaliada em cerca de R$ 900 milhões, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) rejeitou integralmente o pedido das distribuidoras e manteve os consumidores livres de energia isentos da cobrança da Recomposição Tarifária Extraordinária (RTE), a chamada "tarifa do apagão". A decisão favorece quase 800 grandes empresas que deixaram de comprar energia das distribuidoras onde estão localizadas e migraram para o mercado livre nos últimos anos, escapando de um dos esqueletos do racionamento de 2001.

Elas já consomem 25% de toda a eletricidade gerada no país e, ao contrário dos consumidores residenciais, não pagam a RTE. A proposta das distribuidoras era estender a cobrança da "tarifa do apagão" aos consumidores livres e fazê-los pagar, em caráter retroativo, aquilo que teriam deixado de recolher desde que saíram do mercado cativo. A agência reguladora, no entanto, decidiu que as regras não vão mudar.

A RTE foi instituída em 2002 como uma forma de compensar as empresas de energia pelo racionamento. As distribuidoras ganharam o direito de aplicar um aumento extraordinário de 7,9% para os consumidores industriais, por um prazo médio de 72 meses - o prazo máximo é de 112 meses, caso da Ampla (RJ).

Na época do apagão, havia apenas seis consumidores livres no país, que ficaram isentos da sobretaxa. Com o crescimento do mercado livre, as distribuidoras de energia temem que o período de cobrança da "tarifa do apagão" termine sem a compensação das perdas. A Cemig, por exemplo, já provisionou mais de R$ 270 milhões em seu balanço.

A disputa gerou opiniões divergentes dentro da própria Aneel. No parecer final da área econômica, os técnicos da agência reguladora sugeriram a extensão da RTE aos consumidores livres - sem, no entanto, a cobrança retroativa dos valores que deixaram de ser recolhidos. O principal ponto levantado pelos técnicos é que mudança das regras permitiria repor as perdas das distribuidoras. No caso daquelas que já recuperaram seus prejuízos, o reforço de caixa seria revertido em benefício aos consumidores residenciais, na forma de redução das tarifas.

Essa idéia tinha a simpatia do diretor-geral da Aneel, Jerson Kelman. Mas ele acabou acompanhando o voto do relator do processo, o diretor da agência Edvaldo Alves de Santana, que discordou da tese apresentada pelas distribuidoras, com o endosso da equipe técnica. Para ele, é um "mito" atribuir à isenção de RTE a corrida das grandes empresas ao mercado livre. O relator também apontou que o pedido das distribuidoras contraria o próprio espírito do Acordo Geral do Setor Elétrico, responsável pela instituição da "tarifa do apagão", que impedia contestações futuras das partes envolvidas no plano.

Santana enfatizou que a alteração dos contratos traria riscos jurídicos e regulatórios. "Temos total consciência de que a segurança jurídica, que anda sempre junto com a estabilidade e a minimização do risco regulatório, tem que ser atendida", afirmou em seu voto. Kelman acabou concordando. "Nem sempre a melhor solução econômica tem amparo jurídico. Não cabe ao regulador formular leis nem fazer justiça com as próprias mãos", acrescentou Kelman, que acompanhou o voto de Santana. O placar final foi de três a zero.

A Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee) prometeu entrar com um recurso administrativo, em até dez dias, para tentar rever a decisão na Aneel. "Se não formos bem-sucedidos, vamos avaliar com as empresas a possibilidade de levar essa questão à Justiça, porque estamos convencidos dos nossos direitos", afirmou o presidente da Abradee, Luiz Carlos Guimarães.

Os representantes das indústrias e dos consumidores livres comemoraram a decisão. "A Aneel fugiu da tentação de acatar argumentos literários para assegurar o cumprimento da lei. Ao tomar essa decisão, a agência não está apenas fortalecendo o mercado livre, mas dando uma sinalização de que as regras são estáveis e os investimentos podem vir", disse Paulo Pedrosa, presidente da Abraceel, dos comercializadores de energia.