Título: Europa avalia as opções para ajuda financeira à Itália
Autor: Walker ,Marcus
Fonte: Valor Econômico, 09/11/2011, Internacional, p. A11

A crescente fuga dos investidores dos títulos italianos, deflagrada pela crise política dupla na Itália e na Grécia, é a mais grave ameaça até agora nos dois anos da crise da dívida da zona do euro.

O prêmio nos títulos italianos de dez anos chegou a 6,73% ontem, um pico desde a adoção do euro, no mais recente sinal de que os investidores estão rapidamente perdendo confiança no terceiro maior mercado de títulos soberanos do mundo. Economistas dizem que o prêmio teriam subido mais não fosse pela forte compra de títulos pelo Banco Central Europeu (BCE).

A reversão dessa fuga de capitais poderá exigir não só uma mudança política na Itália, como também uma enorme ajuda internacional.

O primeiro evento ficou mais próximo ontem, quanto o premiê italiano, Silvio Berlusconi, acuado por escândalos, disse que renunciará tão logo o Parlamento aprove a Lei de Estabilidade, um pacote de medidas econômicas de emergência. Mas não está claro se o anúncio significa a sua despedida final de uma cena política que ele dominou por quase duas décadas - e nem quais mudanças de política um sucessor poderá realizar.

A Itália ainda pode precisar de ajuda financeira se o mero anúncio de um novo governo não interromper a saída de capitais. Contudo, os fundos potencialmente disponíveis à Itália por parte da Europa e do Fundo Monetário Internacional (FMI) não devem ser o suficiente para atender às necessidades de Roma. O fracasso na missão de deter a crise poderia levar, no pior caso, a um calote da dívida italiana, o que daria um tombo nos bancos europeus, derrubaria a economia da região e tumultuaria o sistema financeiro global.

Com € 1,9 trilhão (US$ 2,6 trilhões) em dívidas governamentais, a Itália responde por praticamente um quarto de toda a dívida pública da zona do euro - e poderia ser grande demais para ser salva por outro governos europeus.

A Itália confiou por muito tempo no fato de que o nível de sua dívida, embora alto, em 120% do PIB, não está crescendo muito, graças ao déficit relativamente baixo. Mas o país ainda precisa tomar emprestados centenas de bilhões de euros por ano para rolar a sua dívida.

Em 2012, a Itália terá que levantar dinheiro o suficiente para pagar mais de € 300 bilhões em dívida a vencer e cobrir o déficit orçamentário previsto de € 25 bilhões. Se os investidores não se dispuserem a emprestar essas somas, a Europa terá que apoiar o país com todo o dinheiro que conseguir (com a ajuda do FMI), ou haverá o risco de um crash financeiro global.

Um default italiano ainda é tido como perspectiva remota, precisamente porque seu impacto no sistema bancário da Europa e de outros mercados seria desastroso, segundo analistas. "Uma reestruturação da dívida italiana seria calamitoso para economia do euro", diz Julian Callow, economista especialista em Europa no Barclays Capital, de Londres. "Isso jogaria a região numa recessão profunda e geraria instabilidade mundial."

As autoridades europeias estão correndo para preparar planos emergenciais para um acontecimento que há apenas seis meses parecia inimaginável: a liberação de socorro financeiro, caso a Itália não consiga captar o suficiente.

Até agora, a Itália vem conseguindo atrair compradores para seus títulos de dívidas, embora a um custo cada vez maior. Quando a Itália lançou bônus de dez anos em agosto, pagou um prêmio de 5,22%. Quando vendeu um lote do mesmo bônus em outubro, precisou oferecer rendimento de 6,06%.

Uma alta de curto prazo no custo dos empréstimos é um problema administrável para a Itália, já que só uma pequena parte de sua dívida precisa ser refinanciada.

O problema, no entanto, não são os prêmio pagos, mas o apetite dos investidores por dívidas italianas. Muitos investidores agora temem que os bônus italianos percam ainda mais valor e, portanto, gerem perdas. Isso poderia levar a um processo autorrealizável de investidores se desfazendo de títulos italianos, o que deixaria a Itália com poucos compradores para os novos bônus. Alguns analistas dizem que isso já vem acontecendo.

"O prêmio italiano teria disparado se o BCE não tivesse entrado no mercado", disse o economista Jacques Cailloux, do Royal Bank of Scotland, de Londres. "Já é evidente que a demanda privada por bônus italianos morreu."

O aparente fim da era Berlusconi poderia ser o primeiro passo para restaurar a confiança na Itália, mas só isso não será suficiente, dizem analistas. Um novo governo liderado por um tecnocrata com reputação de seriedade "seria claramente um passo na direção certa", diz Cailloux. "Mas isso por si só não resolveria os problemas estruturais da economia italiana."

Autoridades da zona do euro começam a acreditar que mesmo as reformas prometidas podem não bastar e que pode ser necessário auxílio financeiro externo para sustentar a Itália até que as mudanças internas comecem a convencer os mercados financeiros.

Na reunião do G-20 na França, na semana passada, líderes europeus como a premiê alemã, Angela Merkel, e o presidente francês Nicolas Sarkozy, pressionaram Berlusconi a lançar uma profunda reforma estrutural e fiscal e aceitar auxílio financeiro externo do FMI. Berlusconi concordou só com um papel limitado de monitoração do FMI. Ele disse a repórteres ter recusado um empréstimo do fundo.

O desafio para os europeus é que seu fundo de socorro, o Fundo Europeu de Estabilização Financeira (EFSF, na sigla em inglês), não é grande o bastante para atender às necessidades da Itália por mais que alguns meses. A rolagem da dívida italiana, de € 64 bilhões no primeiro trimestre de 2012, quase equivale a toda a ajuda financeiro dada à Irlanda por três anos.

As autoridades da zona do euro já abandonaram as esperanças de usar o EFSF diretamente para emprestar para a Itália. Em vez disso, o plano é empregar o dinheiro como um chamariz para seduzir investidores privados a continuar emprestando. Segundo o previsto pelos dois programas que estão sendo examinados, o dinheiro do EFSF seria destinado a absorver uma parte dos prejuízos que os compradores de bônus possam sofrer ao emprestar para a Itália.

Autoridades da UE dizem que o método pode funcionar se os investidores acharem que o risco de prejuízo é limitado. Mas, se temerem grandes baixas contábeis, o fator de atração de nada servirá.

Embora um novo governo italiano possa se mostrar mais aberto ao apoio do FMI, os recursos do fundo totalizam € 280 bilhões - e a Itália terá direito a receber só uma parte disso. Propostas de elevar os recursos do FMI foram recusadas pelos EUA e por outros países, que teriam de arcar com a conta.

Isso faz com que sobre só uma instituição com poder de fogo teoricamente ilimitado: o BCE, que pode imprimir e emprestar euros. Mas, embora o banco tenha comprado intensamente títulos de governos afetados pela crise (€ 9,5 bilhões só na semana passada), vem repetindo que a intervenção terá amplitude e duração limitadas.

O novo presidente do BCE, Mario Draghi, disse na semana passada que o banco não atuará como instituição de crédito de última instância para governos da zona do euro. No entanto, muitos observadores acreditam que o BCE ajudará a Itália mais vigorosamente se a Itália fizer mais para se ajudar.

Restabelecer a confiança do mercado financeiro exigirá uma mescla de reformas fiscais e de reformas da economia como um todo da parte dos dirigentes italianos pós-Berlusconi, somada à ajuda e à orientação do FMI e das autoridades europeias, diz Callow.