Título: A briga pelos direitos autorais na internet
Autor: Patricia Peck
Fonte: Valor Econômico, 07/06/2006, Legislação &, p. E2

Atualmente, tudo é direito autoral, seja um texto, uma imagem, um software, um script, um flash! Mas esta mudança de modelo de riqueza social, de coisas tangíveis - como era a terra - para bens intangíveis, como são os direitos autorais, traz grandes impactos e alguns paradigmas que precisamos enfrentar.

Como de fato proteger, por exemplo, uma criação de software? O que é original, inédito e o que é melhoria? Praticamente é raro encontrar programas com todas as linhas escritas de modo único, o mais comum é o uso de códigos e linhas de base, muitas encontradas livremente na internet, e muitas também protegidas por direitos de terceiros, que acabam sendo violados.

Para as empresas cujo foco de negócio é a programação própria ou o uso de softwares de terceiros, quer seja como meio ou fim de seus negócios, esta questão tem se tornado cada vez mais relevante. Como garantir o direito de propriedade, moral e patrimonial, sobre linhas de códigos fontes, de flash, de javascript?

Há leis válidas e vigentes e é preciso construir a cultura de gestão legal para a blindagem da empresa. Pode ser caso de proteção autoral pela Constituição Federal de 1988, artigo 5º, inciso XXVII, Lei nº 9.610, de 1998, Decreto nº 2.556, de 1998, ou proteção de patente pela Lei nº 9.279, de 1996, se aplicável.

Mas também pode ser caso de proteção como obra de website pela Biblioteca Nacional, ou ainda, pode ser o caso de proteção como segredo de negócio. Ou se não for proteção direta, pode ser indireta, pelo artigo 195 da Lei nº 9.279, de 1996, que determina o crime de concorrência desleal, bem como pelo novo Código Civil, artigos 187 e 927, e o Código Penal, artigo 184, que determina o crime em si, com pena de detenção de três meses a um ano, ou multa, para aquele que violar direito de autor ou que lhe são conexos.

Além disso, ainda são aplicáveis no tocante ao mercado de publicidade eletrônica o CENP, Decreto nº 57.690, artigos 17, 26, 27, o Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária, em seus artigos 4º, 8º, 50, o Código de Ética do Marketing Profissional, nos itens 9.1 , 9.2, 13.1, entre outros.

"Muitos não conhecem as conseqüências geradas por um simples e-mail, um simples gif, um simples código" Como evitar que um funcionário ou colaborador faça uso de códigos de terceiros para economizar trabalho, o que é muito comum neste mercado, na aplicação do princípio do "todo mundo usa tudo de todo mundo", ou melhor "se está na internet é pra ser usado, está público".

O empregador é responsável e pode vir a ter que indenizar quem tiver sido lesado. Mas o pior cenário é se isso ainda envolver, por exemplo, o cliente do empregador, uma outra empresa, um anunciante que pediu para ser desenvolvido um website para ele sob encomenda e descobre, com uma citação judicial, que terá que responder por infração de direito autoral, por seu terceirizado, "quarteirizado", "quinteirizado"!

O problema reside em dois fatores fundamentais: informação e educação. Em geral, as pessoas não conhecem as leis, mesmo as de boa-fé. E o que agrava a situação é que muitos também não conhecem as conseqüências que podem ser geradas por um simples e-mail, um simples gif, um simples código, um simples comando.

A justiça na sociedade digital se passa por uma questão de proporcionalidade entre causa e conseqüência. Ou seja, independentemente de ter sido apenas um código, se aquela conduta gerou um impacto de imagem, reputação, perda financeira em nível mundial, pois está na internet é global! Ou seja, pode ser que a conduta leiga, desavisada, ingênua, represente uma indenização de tantos reais quanto foram os pageviews, as edições on-line que são cada "refresh" de página, entre outros. Pode algo que custaria apenas algumas horas a mais de trabalho, criatividade, pensamento, transformar-se em alguns milhões. Com a diferença que há mais provas no ambiente eletrônico do que no físico.

Direito de autor significa exatamente que cabe ao autor decidir sobre como dispor do mesmo, inclusive, se irá autorizar a cópia em si. Por isso cresce o uso do "copyleft", que é o oposto do "copyright", ou seja, é o deixar copiar. Mas isso deve estar claro, não é uma presunção de terceiro. Com uso de DRM e Creative Commons fica cada vez mais fácil fazer esta gestão de regras digitais.

Estamos na era do conhecimento, portanto, o direito digital tende a cada vez mais proteger as questões de propriedade autoral, pois é o novo modelo de riqueza. Isso engloba não apenas marcas, softwares, bancos de dados, mas até mesmo as questões de "linking", "caching", "framing", "spidering", "cooking", "clipping","spoofing", "keying com uso de meta tags" etc.

Cabe a cada um estar atualizado nas leis e ter uma conduta ética e adequada. Para quem tiver sido vítima, cabe o dever, como cidadão, de tomar uma providência, para evitar que se continue nesta cultura de banalização da inovação, em que um pensa e todo mundo copia.

Patricia Peck é advogada especialista em direito digital e autora do livro "Direito Digital" pela editora Saraiva