Título: Pé atráscomo dólar
Autor: Pires, Luciano
Fonte: Correio Braziliense, 12/09/2010, Economia, p. 15

Mainenti, Mariana

Nada de fazer dívida em dólar, recomenda o economista-chefe do Banco Santander e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central, Alexandre Schwartsman, aos que estão no comando das políticas econômica e monetária no governo e àqueles que vão assumir essas funções a partir de 2011. O que não se pode permitir é uma dolarização do passivo (dívida) da economia brasileira. Se você for buscar recursos externos, como está buscando, a ênfase tem que ser dada aos recursos que são pagos em reais, principalmente, os dos investidores que compram aqui ações de empresas brasileiras, afirma Schwartsman.

A razão para o economista defender a cautela em relação ao perfil dos investimentos que chegam é que o Brasil está dependente de recursos externos paracrescer.

O volume de recursos carreados é hoje menor do que o necessário para que o país mantenhaumcrescimento robusto a longo prazo.Pelos cálculos de Schwartsman, se o Brasil quiser ter mais um ponto percentual de crescimento sustentável terá de elevar a sua taxa de investimento de 18% para 22% do Produto Interno Bruto (PIB).

Na opinião do economista, para que sobre mais dinheiro para investir, seria preciso cortar em alguma parte os gastos públicos. Por isso, ele é defensor de um ajuste fiscal vigoroso, embora não considere que essa meta esteja no horizonte de um possível governo da candidata petista à Presidência da República, Dilma Rousseff, que lidera, com folga, todas as pesquisas de opinião de voto.

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista que Schwartsman concedeu ao Correio.

Háumadivergência entre a avaliação da economia feita pelo Banco Central e a do mercado? Não sei se ainda existe essa divergência. A última decisão do Copom (Comitê de Política Monetária) era esperada.Mas o boletim Focus (pesquisa semanal editada pelo Banco Central) considera a inflação mais alta para 2011, imaginando-a mais perto de 5%, e espera que os juros cheguem a 11,5% no fim do ano que vem. Não se sabe se o que o BC está fazendo é uma pausa ou se, de fato, é o fim do ciclo de elevação. Se for o fim do ciclo, pode-se concluir que as visões estão diferentes, porque a Selic não vai mais subir e, eventualmente, pode cair.

Mas se for uma pausa para observar o efeito do que já aconteceu, não é necessariamente uma divergência.

OBCnão está assumindo algum risco ao trabalharcomum cenário de baixo crescimento da economia mundial, sobre a qual não se tem controle? Acho que sim, mas qualquer decisão que você tomar tem risco.

Certamente, o BC aposta em um cenário em que a desaceleração doméstica seria induzida por uma desaceleração global. A nossa visão é de que a dinâmica de crescimento no Brasil é muito mais um fenômeno ligado à economia doméstica, com relativamente baixo grau de exposição à economia internacional.O Brasil não é uma economia muito aberta. Exportação e importação, cada uma, representa 10%, 11% do PIB. Para haver desaceleração de crescimento, precisaria ocorrer algo muito sério.

Mas não é esse o nosso cenário, nem o do Banco Central.

As contas externas preocupam? Não estamos dependentes de capitais de curto prazo? Estamos dependentes de capital estrangeiro, mas isso é uma escolha do país. O Brasil precisa aumentar a taxa de investimento, que, no primeiro trimestre deste ano, ficou em 18% do PIB; o gasto do governo está em 21%, 22%; o consumo era alguma coisa como 63%. Somando o consumo ao investimento e ao gasto, encontramos uma demanda doméstica praticamente igual ao PIB.Mas, para aumentar o crescimento sustentável em 1% ao ano, estimamos que é preciso elevar o investimento em quatro pontos percentuais, para perto de 22%.

No entanto, se o investimento está aumentando como proporção do PIB, alguma coisa tem que estar caindo.

Qual seria a saída? Uma alternativa é reduzir o consumo e aumentar a poupança com a reforma previdenciária, por exemplo. Outra forma é aumentar a poupança do setor público, ou seja, reduzir o consumo do governo. Mas temos visto o gasto público crescendo, há sinais persistentes de redução permanente de superavit primário. Em 2010, de janeiro a julho, ele ficou em 2,1% do PIB. Em 2009, em 2,2%.

Nos anos anteriores, se pegarmos o período de janeiro a julho, era superior a 4% do PIB. E, em 2010, a arrecadação está crescendo como nunca. Com isso, só sobra o deficit em contacorrente como alternativa para financiar o aumento do investimento doméstico. Em relação às contas externas, o correto seria fazer um ajuste fiscal rigoroso, para abrir espaço para a expansão do investimento, sem avançar sobre a poupança externa.

Acandidata do governo já disse que é contra o arrocho.Como seriam os dois primeiros anos deumpossível governo Dilma emrelação à política fiscal? Acho que seriam muito parecidos com o que foram os dois últimos anos do governo Lula, inclusive porque é um governo de continuidade. Então, o cenário mais razoável seria aquele em que a gente não veria os mesmos níveis de superavit primário que foram observados nos seis primeiros anos do governo Lula. Ficariam mais em 2%, 2,5% do PIB.

O crescimento que o Brasil terá este ano é sustentável? Não. Pelas nossas contas, a economia crescerá mais do que 7%, mas não será investindo 18% do PIB que você manterá esse desempenho. Depois, haverá crescimento contínuo e mais moderado, mas sustentável no sentido de que não há forças que vão causar uma reversão nesse crescimento, a menos que ocorra uma catástrofe internacional.

Em quanto tempo o Brasil poderia melhorar a sua capacidade de crescimento? Educar uma geração é uma tarefa para 20 anos. Aumentar o investimento é uma tarefa para três ou quatro anos. Então, o aumento do investimento é mais importante do que você acelerar o crescimento entre o curto e o médio prazos. A capacidade do país hoje é de crescer 4% ou 4,5%, sendo mais otimista, perto de 5%. Num cenário, você trabalha ajuste fiscal mais investimento e mais consumo, além de uma taxa de câmbio mais depreciada, portanto, com menos poupança externa. No outro cenário, em que não faz o ajuste fiscal, você tem o juro mais alto, consumo e investimento mais baixos e uma taxa de câmbio mais apreciada e mais poupança externa. O resultado depende do ritmo e da política que se faz.

Se não fizermos o ajuste fiscal, que risco correremos? A gente vai ter deficits mais altos em conta-corrente e, no momento em que não houver liquidez no mercado, vai ter que fazer um ajuste mais drástico.

Esses ajustes foram muito dolorosos no passado. Eu acho que a tendência é ser um pouco menos doloroso no futuro, desde que certas condições sejam respeitadas. Que condições são essas? Fundamentalmente, o que não se pode permitir é uma dolarização do passivo da economia brasileira. Se você for buscar recursos externos, como está buscando, a ênfase tem que ser dada aos recursos que são pagos em reais, principalmente os dos investidores que comprem aqui ações de empresas brasileiras Qual a diferença entre o que ocorreu no passado e a situação atual? O problema do passado é que, na hora em que secava o financiamento e o país precisava fazer um ajuste externo, a moeda nacional se desvalorizava.

Só que você tinha dívidas em moeda estrangeira, o que significa que o balanço, seja das empresas, seja do governo, que também devia em moeda estrangeira, era muito negativamente afetado pela desvalorização.

Dever em dólar quando a moeda local se desvaloriza é um desastre. Por outro lado, se você tem investimentos, quando o real desvaloriza não é esse o efeito, quem perde é o investidor, não quem tomou recurso.

Hoje, o setor público é um credor em moeda estrangeira e o passivo externo do setor privado é, em larga medida, investimento.

É preciso que se mantenha esse tipo de perfil, que a ênfase seja dada no financiamento do deficit via investimento, não no financiamento via endividamento.