Título: Emergentes ganham peso
Autor: Pires, Luciano
Fonte: Correio Braziliense, 12/09/2010, Economia, p. 15

O pós-crise mostra que o peso relativo de alguns países aumentou no complexo tabuleiro de xadrez da economia mundial.

Puxados porBrasil, Índia, China e Rússia, os emergentes não só restabeleceram os níveis de emprego, consumo e crédito emtempo recorde, como acumulam em 2010 taxas de crescimento bem superiores às registradas pelas nações centrais. Como a retomada da parte rica do globo insiste em não acontecer, o capital financeiro e produtivosempre em busca de rentabilidade alta e do risco baixoprocura novos portos para atracar.

Os bons ventos que sopram a favor dos países em desenvolvimento, no entanto, escondem perigos que devem ser considerados.

Especialistas ouvidos pelo Correio ressaltam que cautela e vigilância são palavras que nunca podem ser esquecidas, ainda que a euforia domomentoe osnúmeros positivos sufoquem qualquer tentativa de alerta fora do tom.

Rubens Ricupero, embaixador e ex-ministro da Fazenda (1994), diz que a desregulamentação do sistema financeiro expôs a tolerância excessiva dos mercados à criação de instrumentos financeiros perigosos,comoos derivativos e as hipotecas de valor duvidoso.

O analista prevê que os Estados Unidos e as potências europeias só recuperem o potencial de crescimento abocanhado pela crise em três ou quatro anos. Até lá, a bola da vez serão os emergentes.

No caso do Brasil, Ricupero lembra que a combinação do real valorizado com o aumento do deficit em conta-corrente épreocupante. Há algumas áreas de risco. Uma delas é a aposta muito elevada na apreciação do real. Em países onde isso ocorreu de forma acentuada, podemos verificar o surgimento de uma grande crise logo em seguida, porque esse fenômeno promove a entradamaciça de capitais e o deficit em conta-corrente estoura.

No Brasil, falta aprender essa lição, completa Ricupero.Odeficit em conta-corrente registrado emjulho deste ano, conformedados do Banco Central, chegou a US$ 4,499 bilhõeso pior saldo para os meses de julho desde o início da série histórica. O rombo aumenta a dependência do Brasil ao capital estrangeiro e é visto com ressalvas pelos especialistas.

Múltiplas causas Maílson da Nóbrega, outro exministro da Fazenda (1988-1990), explica que a crise revelou ter múltiplas causas, mas que a raiz de tudo foi a imprudência. Para ele, os ricos vão passar um longo período de baixo crescimento regado a corte de gastos e aumento de impostos. Já as famílias americanas vão continuar reduzindo o endividamento, fazendo recuar o crédito e o consumo, o que terá impactos diretos sobre a rotina do mundo. OBrasil mostrou que estava muito menos vulnerável do que os outros. Precisa agora ficar atento ao pós-crise, recomenda.

Maílson acredita em uma maior interação do Estadocomo sistemafinanceiro, mas descarta que a onda intervencionista tenha vindo para ficar. OEstado interventor estámorto, completa.

Alex Agostini, economistachefe da agência de classificação de risco Austin Ratings, afirma que a visão do investidoremrelação à composição do mercado financeiro mudou e o Brasil está se destacando. O principal aprendizado para todos é que não dá para deixar o mercado se autorregulamentar: é preciso ter fiscalização e mais restrições, justifica.

Nos relatórios que servem de base para as análises da agência, Agostini diz que por causa dos estragos causados pela crise ninguém está colocando os ovosem um único lugar, o que por si é umsintoma louvável.