Título: Só duas de dez usinas estão garantidas para o próximo leilão
Autor: Rittner,Daniel
Fonte: Valor Econômico, 26/10/2011, Brasil, p. A3
A menos de 60 dias do leilão A-5 (entrega do insumo em cinco anos) de geração de energia, apenas duas das dez usinas hidrelétricas inscritas obtiveram licença prévia dos órgãos ambientais para participar da disputa. São justamente as menores usinas da lista, com cerca de 6% da potência somada das hidrelétricas cadastradas, que totalizam 2.160 megawatts (MW). O maior projeto - São Manoel, no rio Teles Pires, com 700 MW - teve o licenciamento adiado por uma decisão da Justiça Federal em Sinop (MT).
Sete representantes da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e da Fundação Nacional do Índio (Funai), incluindo um antropólogo contratado especialmente para ajudar no processo de licenciamento, passaram sete dias como reféns de índios das etnias munduruku, kayabi e apiaká que se opõem à construção da hidrelétrica. Os reféns foram libertados, após negociações, mas uma decisão judicial adiou por 90 dias as audiências públicas com as comunidades locais. Além disso, o Ibama e a EPE precisarão traduzir todos os estudos ambientais para os idiomas indígenas dos povos afetados pela obra.
"Foi uma situação de violência inaceitável", afirmou o presidente da EPE, Maurício Tolmasquim, em seminário organizado ontem pelo Valor sobre os desafios e as oportunidades da matriz energética brasileira. "O problema é que a documentação tem dez volumes e três etnias diferentes convivem na região, com três línguas diferentes. A única língua comum entre eles é o português", disse Tolmasquim.
A EPE já considerava inviável a obtenção da licença prévia para as usinas de Riacho Seco, no rio São Francisco (BA/PE), e de Uruçuí, no rio Parnaíba (PI/MA), a tempo de incluí-las no leilão de 20 de dezembro. O leilão é chamado de A-5 porque seus contratos preveem o início da entrega de energia cinco anos depois.
Em teoria, a licença ambiental prévia deve ser emitida até 20 de novembro, data-limite para a publicação do edital do leilão. Já houve casos, porém, em que hidrelétricas com perspectiva de receberem sinal verde dos órgãos ambientais foram incluídas no edital mesmo sem a licença. Nesses casos, a indefinição sobre a entrada ou não dos projetos durou até o momento do leilão.
O Ministério Público Federal do Piauí ajuizou uma ação civil pública para impedir a participação das hidrelétricas de Cachoeira, Estreito e Castelhano na licitação. Todas estão localizadas no rio Parnaíba, na divisa entre Piauí e Maranhão. As duas primeiras eram as únicas da lista de dez hidrelétricas que tinham licença garantida. Tolmasquim ainda vê chances de ter a maioria das usinas no leilão de dezembro, mas reconhece que o tempo está curto e que o cenário requer "certo cuidado". Ele frisou, no entanto, que outras fontes de energia podem suprir a demanda no leilão, embora a preços mais altos.
Enquanto as hidrelétricas têm dificuldades e os projetos de novas térmicas estão envolvidos em uma polêmica com a Petrobras, em torno dos contratos para fornecimento de gás natural, são grandes as chances de sucesso para novas usinas eólicas no próximo leilão. Há 296 projetos de eólicas cadastrados na disputa, que somam 7,4 mil MW, cerca de 30% de toda a potência inscrita.
Em agosto, no leilão A-3 (com início dos contratos de entrega da energia três anos depois), as usinas eólicas romperam uma barreira e registraram preço inferior a R$ 100 por megawatt-hora (MWh). O valor chegou a R$ 99, ajudado pelo ganho de escala e pela sobreoferta de equipamentos no mercado internacional.
Para empresários como Sérgio Marques, presidente da Bioenergy, é difícil que esse valor caia ainda mais. "O espaço para preços mais baixos é pequeno. Pode até ocorrer [queda], mas não na velocidade que houve de dois anos para cá", afirma. A Bioenergy inscreveu 16 projetos, com 460 MW, no leilão de dezembro.
A presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Élbia Melo, expôs os planos do setor para alcançar uma capacidade instalada de 20 mil MW até 2020 - quase o dobro do que prevê o governo. No Plano Decenal de Energia, formulado pela EPE, a previsão é chegar àquele ano com 11,2 mil MW. Élbia considera que dá para acelerar o passo.
"Vamos chegar ao fim do ano de 2014 com 7,2 mil MW de capacidade. A partir daí, a nossa meta é acrescentar 2 mil MW por ano", diz Élbia. O projeto "20-20", segundo ela, é essencial para sustentar o ritmo de produção da indústria de aerogeradores no Brasil e atrair fábricas de peças e componentes. Sete empresas de equipamentos eólicos já estão produzindo no país. "Até o fim do ano, serão 11", diz.
De acordo com o chefe do departamento de energias alternativas do BNDES, Antônio Carlos Tovar, a carteira de projetos de fontes renováveis em análise pelo banco representam três vezes o parque instalado hoje, que totaliza 1.235 MW. Mas ele ressaltou que, se as eólicas ganharam espaço, as pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) perderam competitividade. O custo de implantação dessas usinas, com capacidade de até 30 MW, aumentou 45% nos últimos cinco anos e hoje chega a R$ 8 milhões por megawatt instalado, nos cálculos do BNDES. Tovar sugeriu equivalência aos incentivos fiscais já dados às eólicas, como isenção de IPI e ICMS sobre equipamentos, para as pequenas hidrelétricas.
O técnico do BNDES também defendeu mais rapidez na tramitação dos projetos de PCHs na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), lembrando que há mais de 500 empreendimentos esperando análise, e recomendou que os leilões de energia tenham uma demanda mínima para atender a esse segmento. A lógica deveria valer ainda, segundo Tovar, para a energia solar. Embora essa fonte seja muito incipiente, sua capacidade instalada no mundo aumenta em progressão geométrica. De 22 mil MW em 2010, deverá passar para 39,5 mil MW ao fim de 2011.