Título: Desapontado com a Câmara, Delfim cogita desistir de disputar mandato
Autor: Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 05/06/2006, Política, p. A9

Uma das principais referências do Congresso, o deputado Delfim Netto está em dúvida se disputa um novo mandato, o sexto consecutivo desde que chegou à Câmara em 1987. Delfim está desapontado com a crise ética e política que imobiliza a Câmara, que há três meses vota apenas medidas provisórias. O deputado deve decidir nos próximos dias o seu futuro políticos.

Delfim Netto (PMDB-SP): no sexto mandato consecutivo, deputado está convencido que a atual crise ética tem origem na reeleição

Delfim confirmou ao Valor que está em dúvida, mas não se estende sobre o tema. Segundo amigos, não quer passar a impressão de que é melhor do que os outros parlamentares, mesmo porque considera que há "muita gente boa" no Congresso. Esses mesmos amigos avaliam que se trata mais de um desabafo e que ele acabará disputando a eleição, pelos compromissos que assumiu ao trocar o PP pelo PMDB.

Prova da importância de Delfim para a Câmara é a publicação "Cabeças do Congresso", editada pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), que presta serviços aos sindicatos de trabalhadores. Trata-se de uma eleição feita entre os próprios congressistas dos dez parlamentares mais influentes das duas Casas. Em oito edições, Delfim figurou em seis. Curiosamente, ficou de fora em 2003 e 2004, os dois primeiros anos do governo Lula.

Com a drástica mudança de poder em Brasília, a percepção dos parlamentares era que Delfim perdera influência no governo do PT. Em 2005 ele voltou à lista. Era evidente que ele se tornara um dos principais interlocutores do então ministro da Fazenda Antonio Palocci, como é do atual, Guido Mantega. Delfim foi consultado por todos os governos civis após a redemocratização, desde Fernando Collor.

Influência que pode se tornar decisiva na elaboração e condução do programa de um eventual segundo governo do PT: Delfim é um dos defensores da aliança do PMDB com o governo, inclusive uma coligação eleitoral. Com a adesão do partido, o deputado acredita que será possível montar uma base parlamentar sólida para a a votação de reformas importantes, como a da Previdência, sem as quais acredita que "o Brasil quebra no final da década" - 2009 ou 2010.

Segundo apurou o Valor, o desânimo de Delfim Netto começou com a crise vivida por seu antigo partido, o PP, atingido com a prisão do ex-prefeito paulista Paulo Maluf e - posteriormente - o envolvimento da cúpula partidária em escândalos como o do mensalão. Além dos deputados Roberto Jefferson e José Dirceu, o presidente da sigla, Pedro Corrêa (PE), foi o único a ser cassado pela Câmara.

No escândalo dos "sanguessugas", detectou um elemento "perverso": a venda de ambulâncias a preço superfaturado era acompanhada da recomendação de que os veículos deveriam ser entregues com defeito, para se roubar um pouco mais.

Um bom exemplo de como Delfim influencia as votações no Congresso ocorreu com a queda de braço do governo Fernando Henrique Cardoso com o Legislativo em torno da cobrança de contribuição previdenciária dos servidores inativos. FHC enviou o projeto três vezes, nas três o Congresso recusou, inclusive com o voto do deputado. A quarta tentativa coincidiu com uma das crises internacionais atravessadas pelo governo tucano.

Sob o argumento de que a recusa do projeto, naquelas circunstâncias, somente agravaria ainda mais a crise econômica, enviando um péssimo sinal para os mercados, Delfim resolveu votar a favor. Estava convencido de que o Supremo Tribunal Federal, mais tarde, derrubaria o projeto nos termos em que fora enviado ao Congresso pelo governo. Não deu outra: o projeto foi aprovado no Congresso, acalmando os mercados, e depois foi derrubado no STF.

Delfim está convencido de que a crise ética na política tem origem na reeleição. À época, votou contra o projeto encampado pelo governo FHC. Argumentava que só perpetuaria as oligarquias existentes, e onde elas não existiam, como no Sudeste, seriam criadas novas oligarquias.

"Delfim é um formador de opinião, alguém em que você pode sempre se apoiar para pegar uma referência", diz o líder da minoria na Câmara, deputado José Carlos Aleluia (PFL-BA). "É uma presença sempre equilibrada na discussão das matérias, ajuda muito", testemunha o presidente da Câmara, Aldo Rebelo.

Até na extrema esquerda Delfim cultiva boas relações. O ex-deputado Milton Temer, atual candidato do P-SOL ao governo do Rio, por exemplo, atribui a ele uma das razões por ter desistido de concorrer à Câmara. Então deputado, Temer requereu a criação da CPI do Proer. Para ser instalada, era necessária a aprovação de um projeto de resolução. O governo tentou retirar o projeto da Comissão de Finanças, mas Delfim se opôs e o manteve em votação. "Após dois mandatos, a gente começa a arrefecer. Eu não podia nem mais bater no Delfim".