Título: Universalização da proposta pode levar dez anos
Autor: Maria Cristina Fernandes
Fonte: Valor Econômico, 05/06/2006, Especial, p. A14

Nas férias de 1999, Marcos Magalhães, presidente da Philips para a América Latina, passava de carro pela Rua da Aurora, que margeia o rio Capibaribe e resolveu parar em frente ao Ginásio Pernambucano. Sempre tivera orgulho de sua escola, o mais antigo estabelecimento público de ensino do país, por onde passaram um presidente da República - Epitácio Pessoa - e intelectuais como Clarice Lispector e Ariano Suassuna, que lá escreveu o "Auto da Compadecida".

Deparou-se com um deserto no pátio da escola. Dirigiu-se ao vigia. "Transferiram os meninos, doutor, porque o prédio pode desabar a qualquer hora". Correu para a biblioteca, que guarda raridades como o "Histoire d'un voyage faict en la terre du Brésil autrement dite Amérique", obra de Antoine Choppin, datada de 1585. Estava com goteiras a um palmo da estante de livros raros. Subiu ao Museu de História Natural, fundado em 1861 pelo naturalista francês Louis Jacques Brunet, com um acervo de 4,5 mil peças. Havia uma rachadura no teto.

Saiu de lá e ligou para o então governador Jarbas Vasconcelos (PMDB), que havia acabado de tomar posse - "Ele me disse que tinha uma lista de 120 prioridades na mesa dele, mas pedi para tomar providências e recebi sinal verde". Contratou a filmagem da escola, contactou ex-alunos e ex-professores e marcou um almoço no Recife. Na ocasião, passou o filme com a degradação da escola. "Foi um choque", lembra.

Saiu de lá com quatro contribuições fechadas: da Odebrecht, cujo presidente, Norberto, é pernambucano; do ABN, que comprou o Banco do Estado de Pernambuco (Bandepe); da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), com sede no Recife, além da Philips.

Levaram mais de dois anos para restaurar o prédio, tombado pelo patrimônio histórico. Nas obras, encontraram até escovas de dente com brasão, que revelam a origem social de suas primeiras gerações. Gastaram R$ 2,5 milhões. Seis meses antes da conclusão das obras, reuniu-se com os outros empresários. "Daqui a pouco vamos entregar o prédio. Vão continuar nos pedindo umas latas de tinta e nós vamos dar, mas que educação será oferecida?", indagou.

Saíram de lá decididos a reformular o projeto pedagógico da escola. Implantaram os laboratórios de química, física, biologia e informática e fizeram uma nova seleção para o quadro de professores em tempo integral com bolsa e bônus por desempenho. Até 2005, os empresários, por meio do Instituto de Co-Responsabilidade pela Educação (ICE), presidido por Magalhães, bancaram a remuneração extra dos professores. No ano passado, a Assembléia Legislativa transformou o projeto dos centros experimentais em lei.

A principal crítica que recebe é o de ser excludente. Para abranger todo o ensino médio, seriam necessárias 360 escolas. "Não sabemos se haverá empresário suficiente para dar conta de tantas escolas", diz o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação em Pernambuco, Heleno Araújo.

A preocupação é procedente, mas a adesão do empresariado tem dado ao projeto uma velocidade maior do que a inicialmente prevista. O segundo centro experimental inaugurado no Recife, no bairro de Boa Viagem, foi bancado pela Telemar. Em Timbaúba, na Zona da Mata, a Schincariol banca os vigilantes e faz o transporte do material didático nos caminhões de cerveja que voltam vazios para o município onde fica a fábrica. Em Serra Talhada, no Sertão do Estado, um grande armazém de construção quer bancar a construção de uma escola.

"O papel do empresariado não é substituir o Estado mas influir nas políticas públicas", diz Magalhães. Para facilitar as parcerias privadas, a gerente do projeto, Marilene Montarroyos espera que, a partir de agosto, o Procentro passe a funcionar como uma Organização Social.

Os idealizadores do projeto calculam que, em 10 anos, possam chegar a 360 escolas, com as quais dariam cobertura universal ao ensino médio. Isso implicaria no comprometimento de quase 40% do orçamento da educação, mas acredita-se que o custo possa ser diluído com parcerias. Para isso, vão tentar evitar a descontinuidade do Procentro em função da sucessão. Magalhães vai negociar com a oposição. "A expectativa é que o envolvimento da comunidade impeça a descontinuidade", diz Marilene Montarroyos. (MCF)