Título: Antigo Ginásio Pernambucano vira trincheira contra projeto
Autor: Maria Cristina Fernandes
Fonte: Valor Econômico, 05/06/2006, Especial, p. A14

À entrada da escola, na parede ao lado da sala do diretor, um aviso, fixado em papel cartolina, resume os problemas que se amontoam a partir daquela porta: "Destruir patrimônio público é crime. Artigo 163 do Código Penal". A caminhada pelos corredores dos três andares do prédio justifica o cartaz e escancara sua ineficácia: salas de aula sem porta, pias sem torneira e paredes riscadas. O prédio é escuro e quente. Os ventiladores de teto espalham o mormaço. Quando chove, os alunos têm que se agrupar no meio da sala porque as esquadrias não têm vidro.

Sérgio Zacchi/Valor Silveira, Montarroyos e Magalhães no pátio do Ginásio: parceria que virou lei É nessas condições que, há sete anos, está funcionando a escola que, depois de uma guerra judicial, ganhou o direito de permanecer com o nome Ginásio Pernambucano. Os alunos foram removidos para lá desde que o prédio original da escola ficou sob ameaça de desabamento. Já não há turmas remanescentes da época da transferência, mas a cultura da resistência é alimentada pelos professores.

A reforma do prédio amontoou os alunos em metade do prédio. Professores faltam e deixam os estudantes se esbarrando nos corredores. O coordenador, José Carlos Araújo, passa pelas salas mostrando as turmas e é interrompido a cada dois passos. "E o professor de Química?". Ele olha a planilha que guarda no bolso e devolve a pergunta: "Não veio?". A menina balança a cabeça e ele explica: "No bairro dele alaga quando chove". Avista um aluno que havia sido suspenso sentado no chão, dá um tapa nas costas, diz que ele não poderia estar ali, mas o menino não se mexe. Passa por uma sala em que a professora, para ausentar-se, precisou deixar um policial militar, da patrulha escolar, de prontidão. De volta à sua sala, encontra Vítor, 11 anos, que, empurrado por um colega, abriu um corte de 10 centímetros na barriga. Na sala, mostra o contracheque: R$ 793 - dos quais R$ 459 líquidos - depois de 17 anos de rede pública.

O barulho é ensurdecedor e os poucos professores presentes gritam em sala de aula para serem ouvidos. As carências da escola somadas ao clima de hostilidades vivido desde a inauguração do Centro de Ensino Ginásio Pernambucano transformou aquela escola numa trincheira contra os novos ocupantes do prédio histórico.

O coordenador diz que o desarranjo familiar dos alunos é o principal problema que enfrenta. A escola é gradeada e os alunos só saem com um carimbo do diretor na mão, mas o coordenador já teve que mandar rebocar vários adolescentes encontrados embriagados na vizinhança.

Diz que os professores da escola fecharam um pacto para não prestarem o exame de seleção para o novo Ginásio. "Ou iam todos ou não ia ninguém", explica Iolanda Nascimento, professora de História e uma das líderes do movimento de resistência da escola. Orgulha-se da politização de seus alunos: "Aqui eles fazem protesto até contra o afastamento de funcionário contratado de firma de limpeza".

Numa roda, os alunos expõem suas armas. Sobra até para o prefeito do PT, João Paulo: "Ele ganha uma fortuna enquanto tanta gente passa fome", diz Gessika Cristina, 17 anos. "Fazemos passeata", diz Wagner Montenegro, 18 anos. Queixam-se de que são retratados como marginais e que os governantes - todos eles - pagam vândalos para promover violência em suas passeatas e colocar a culpa neles. Um jornal local publicou a foto de aluno fardado com um paralelepípedo na mão durante uma manifestação.

Queixam-se de que têm que pagar R$ 0,10 por folha para fazerem prova. Na de história, formaram-se duplas porque muitos não tinham R$ 0,40 para pagar. Dizem que, apesar das dificuldades, a escola tirou o 5º lugar do Enem no Estado. Acusam os alunos do novo Ginásio de alienação e frustram qualquer tentativa de se saber o que farão da vida quando saírem dali, com a conclusão do ensino médio no fim do ano: "Não vamos sossegar enquanto não voltarmos para lá", diz Wagner, apontando o dedo para os lados do Rio Capibaribe, onde fica a antiga escola. (MCF)