Título: Parceria vira alternativa a gargalo da educação
Autor: Maria Cristina Fernandes
Fonte: Valor Econômico, 05/06/2006, Especial, p. A14
Socorro Silva estava em sua sala de trabalho quando um auxiliar lhe trouxe um envelope com R$ 50. Um homem numa moto o havia entregue minutos antes. "E o nome dele?", perguntou. A auxiliar não soube responder: "Ele falou que nunca ninguém havia feito tanto por seu filho quanto aquela escola, mas disse que não queria aparecer". Socorro, que dedica 15 horas de seu dia para viabilizar a escola que sempre sonhou em dirigir, não sossegou até apurar a identidade do doador anônimo. Naquele dia, José Adilson da Silva, 39 anos, frentista de posto de gasolina, semi-alfabetizado, salário de R$ 520, sem registro em carteira, havia conseguido vender uns galões de óleo diesel usado. "Era um dinheiro que não esperava e na hora pensei na escola do meu menino. Queria fazer minha parte".
Como José Adilson da Silva Jr., 16 anos, 73% dos alunos lá matriculados vêm de família com renda mensal de até dois salários mínimos. Chegam à escola às 7h30 da manhã, fazem três refeições e saem às 5h da tarde. Os professores, de tempo integral, ganham até R$ 3 mil e são avaliados em função do desempenho escolar dos alunos. Eles têm aulas em laboratórios e bibliotecas, fazem oficinas culturais, montam olimpíadas e até participam de atividades de apoio a meninos de rua. Parece escola de rico, mas é uma das mais inovadoras experiências em educação pública do país.
Encravada em Bezerros, cidade a 101 km do Recife, no Agreste pernambucano, a escola de José Adilson integra o Programa de Centros de Ensino Experimental (Procentro) que já soma 13 unidades espalhadas em todo o Estado.
É em Pernambuco que as estatísticas do "Mapa da Violência", da Unesco, mostram a mais alta taxa de homicídios de jovens no país. Estes centros experimentais, voltados para os três anos do ensino médio, faixa etária em que se dá o recrutamento em massa para a escola do crime, são a mais invejável concorrente da violência na paisagem do Estado.
Mas o foco no ensino médio não é a principal diferença em relação a projetos do gênero como os Cieps, implantados na década de 80 pelo governo Leonel Brizola no Rio, ou os CEUs, da gestão Marta Suplicy à frente da prefeitura paulistana. O que distingue as escolas do Procentro é a parceria com empresas, organizações não-governamentais e pais como o frentista de Bezerros.
"O fracasso da escola pública não é o fracasso do Estado, mas de toda a sociedade", diz o consultor do projeto, Bruno Silveira, um advogado de 67 anos, pós-graduado em Harvard, que depois de ter passado por instituições tão díspares como a Fundação Odebrecht e a Prefeitura de Itamaracá (PE), mergulhou a fundo no projeto das escolas. Foi ele quem as aproximou da Avina, instituição suíça que estimula parcerias fazendo aportes equivalentes ao dobro de quaisquer doações empresariais ou de pessoas físicas.
Em Bezerros, por exemplo, uma empresa de fertilizantes quer bancar o café da manhã. Em troca, dez de seus funcionários tomariam café no refeitório dos alunos. A escola da cidade, considerada modelo pelo Procentro, tem mais de 20 parcerias.
Em Abreu e Lima, município da Região Metropolitana do Recife, o centro experimental foi inaugurado com convite expedido pelo prefeito. "Muitos ficaram enciumados, mas o projeto só terá futuro se for adotado por seus parceiros", diz a gerente do Procentro, Marilene Montarroyos.
Nessa escola, o primeiro questionário aplicado indagava os alunos sobre seu maior sonho. A resposta mais freqüente foi: "ter uma família". Na escola de Bezerros, essa família começa a se formar. O professor de Sociologia Jair Batista diz que a maioria dos pais que freqüenta as reuniões pede orientação sobre o comportamento dos filhos. Há um ano e meio na escola, Jair ainda não viu uma única banca quebrada ou sequer pintada com corretivo.
Um grupo de estudantes reúne-se e comenta sua relação com a escola usando o subjuntivo e fazendo concordância verbal: "Vamos juntos para as festas" ; "Vim de livre e espontânea pressão, mas hoje a escola é tudo para mim"; "Foi aqui que me expressei pela primeira vez sobre a vida".
Muitos chegaram com deficiências escolares que vão levar pelo menos os três anos do ensino médio para recuperar. Mas, em função da disputa por vagas nos centros experimentais, os pais já pressionam as escolas de ensino fundamental para que seus filhos tenham condição de disputar uma vaga nos centros. Em algumas escolas, a disputa chega a oito candidatos por vaga. A seleção é feita pelo currículo escolar e, por exigência do Ministério Público, pela proximidade da residência.
A primeira escola do projeto, o Centro Experimental de Ensino (CEE) Ginásio Pernambucano, no Recife, vai passar, pela primeira vez, pela prova do Enem. Terá, também sua estréia no vestibular, com o reforço de professores de cursinho depois do horário curricular.
A repetência é de 2,7% e a evasão, 3,7%, a maioria por mudança de Estado. Na rede estadual a repetência é de 12% e a evasão, 17%. Entre os professores, que são avaliados semestralmente, a adaptação tem sido mais difícil. Dos 25 professores da primeira seleção do CEE Ginásio Pernambucano, hoje restam 15. Em Bezerros, seis já foram substituídos.
Karla Soares, 17 anos, largou emprego de dois expedientes numa distribuidora de revistas para, contrariando a mãe, matricular-se na escola. Conseguiu um emprego melhor num hotel nos fins de semana. E resume com um "a vida é feita de escolhas", sua primeira lição escolar.