Título: Teto para juros no consignado afeta os bancos menores
Autor: Ivana Moreira e Altamiro Silva Júnior
Fonte: Valor Econômico, 05/06/2006, Finanças, p. C1
A definição do 2,9% ao mês para os juros cobrados nos empréstimos consignados para aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), medida que resultará em redução das margens para muitos brancos, deverá acirrar a guerra entre os pequenos e médios e as grandes instituições financeiras. Pequenos e médios cobram mudanças nas regras para garantir a rentabilidade do negócio.
Outra consequência é que a medida tende a barrar os empréstimos de pequenos valores para os aposentados no interior do país, que têm custo maior por causa da necessidade do envio de ordens de pagamentos pelos bancos, que chegam a representar 10% do custo da operação.
Autorização para creditar os empréstimos nas contas-benefício do INSS (eliminando a ordem de pagamento) e a simplificação das burocracias para a recompra de dívida são pleitos que pequenos e médios já vêm reivindicando ao INSS e que prometem defender agora com mais vigor.
A avaliação de muitos deles é de que a "massa nova" de tomadores de empréstimo que será beneficiada pelo teto imposto para os juros é relativamente pequena. O maior potencial de mercado estaria na concessão de novos empréstimos, com taxas mais baixas, para quem já tem contrato com algum banco. Através de refinanciamento da dívida pelo próprio banco ou da venda para outra instituição disposta a quitar o débito original e abrir ao aposentado uma nova linha de crédito, com taxa mais baixa.
Nas regras atuais , no entanto, essa recompra de dívida é pouco viável. Pelo menos para que um aposentado possa contrair novo empréstimo, o banco que liberou o primeiro crédito tem de informar ao INSS a quitação. Só depois da baixa no sistema é que o beneficiário poderá fazer um novo contrato. Essa comunicação da quitação pode levar até 15 dias.
Na questão do crédito em conta-benefício, o que está em jogo é a carteira de aposentados e pensionistas não-bancarizados, aqueles que não movimentam conta corrente em nenhum banco e recebem o pagamento através da conta-benefício do INSS. Para estes que, estima-se, sejam mais de 30% dos 7 milhões de aposentados que já fizeram empréstimos, a única forma de pagar o crédito é por meio de ordem de pagamento.
O tomador do empréstimo tem de comparecer na agência bancária determinada e apresentar os documentos pessoais para receber o dinheiro. Para os bancos de varejo, como Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil, grandes neste nicho, a operação é simples. Basta indicar a agência para onde a ordem de pagamento deve ser transmitida.
Mas, sem rede, bancos como Bonsucesso, Cruzeiro do Sul e Panamericano - que estão entre os dez maiores na concessão de empréstimos a aposentados - precisam pagar uma taxa aos bancos de varejo cada vez que emitem uma ordem de pagamento. Essa taxa pode chegar a R$ 35.
Com os juros limitados a 2,9% ao mês, muitos desses bancos pequenos e médios vão deixar de atender aposentados não bancarizados em contratos de empréstimos de valores baixos, avalia o diretor executivo do Banco Cruzeiro do Sul, Luis Octavio Indio da Costa. Num empréstimo de R$ 350, por exemplo, a taxa da ordem de pagamento seria equivalente a 10% do empréstimo. Cada banco deverá definir uma linha de corte. Alguns já falam em se retirar de contratos abaixo de R$ 1 mil, outros, de R$ 400. Além desta taxa, o promotor que vai atrás dos aposentados costuma receber comissão maior que os outros. "São custos diferentes para o aposentado do interior e da capital, não dá para ter a mesma taxa de juros", diz o executivo do Cruzeiro do Sul.
E por causa do custo da ordem de pagamento que pequenos e médios brigam pela liberação do crédito na conta-benefício, que foi criada pela previdência com a finalidade específica de pagamento de benefícios. Em defesa da mudança na regra, os bancos argumentam ainda que esta seria uma forma de combater as fraudes na modalidade. Se o pagamento fosse por meio da conta-benefício, o risco de fraude seria nulo, destaca Indio da Costa. Ele acrescenta ainda que o governo deveria voltar a autorizar a concessão do crédito pelo telefone. Ele calcula que haveria uma redução de até 20% nos custos dos empréstimos com as medidas.
"Não adianta baixar a taxa se não houver condições para uma real concorrência entre os bancos", diz o diretor do Panamericano, Roberto Rigotto. As duas questões - a simplificação da recompra de dívida e a possibilidade de creditar empréstimo em conta-benefício - já foram levadas às reuniões entre os bancos e o Ministério da Previdência Social. Mas não houve progressos.
Contratado pelo banco paulista para desenvolver a carteira de consignado, o executivo, ex-vice-presidente do BMG, conseguiu cumprir em menos de um semestre a meta estabelecida para o ano. A carteira de empréstimos a aposentados e pensionistas é hoje de R$ 491,7 milhões, a sexta maior no ranking dos bancos conveniados ao INSS.
Rigotto, porém, não acha que poderá continuar crescendo em ritmo acelerado se puder contar só com novos clientes. "Só a recompra poderá esquentar este mercado." Se houver só refinanciamento pelo próprio banco dono do crédito, acredita Rigotto, dificilmente as taxas cairão do patamar de 2,9%. "O banco luta é contra o refinanciamento." Rigotto sugere mudanças como transferir a responsabilidade da comunicação sobre a recompra (quitação da dívida em aberto e concessão de nova linha de crédito) pelo novo banco.
Presidente do Bonsucesso, Paulo Henrique Pentagna Guimarães, ainda tem dúvidas quanto à viabilidade da simplificação dos mecanismos de recompra. Ele teme que este mercado vire uma disputa desenfreada, beirando a falta de ética, a exemplo do que já ocorreu em setores como telefonia. Mas é outro defensor da liberação para crédito na conta-benefício. É preciso melhorar as condições de concorrência no mercado. Caso contrário, quem sairá perdendo é o aposentado não-bancarizado.
Para Guimarães, com o teto de 2,9%, a taxa não será um grande diferencial na disputa. Segundo ele, será preciso desenvolver novas "competências" para concorrer.
Outro produto prejudicado pelo teto é a concessão de crédito para aposentados via cartão de crédito, avalia Indio da Costa. A operação com cartão de crédito tem custo maior, que vem desde a impressão do plástico e da emissão fatura até a administração do cartão. O Cruzeiro do Sul tem 120 mil cartões emitidos, com a bandeira Visa. O executivo acha que, com o teto de 2,9%, para a operação ser rentável, precisaria haver pelo menos 500 mil cartões emitidos.