Título: Dinheiro que rende
Autor: Zaparolli,Domingos
Fonte: Valor Econômico, 26/10/2011, Especial, p. F1

Ter acesso a crédito e orientação financeira pode ser a diferença entre o sucesso e o fracasso de um negócio. Para a ex-empregada doméstica Maria da Glória dos Santos Pereira, de 48 anos, representou ter capital para ampliar a quantidade de mercadorias que expõe em sua loja de roupas e utilidades domésticas no bairro paulistano de Paraisópolis. Com isso, triplicou o faturamento, que agora chega a R$ 3 mil mensais, e passou a obter lucro, o que quase não ocorria nos primeiros quatro anos do negócio. Em Fortaleza, crédito foi o impulso necessário para o mecânico Raimundo Alves Farias iniciar um negócio de venda de peças e elevar o faturamento de sua oficina de motos de R$ 3 mil para R$ 15 mil mensais.

Obter um empréstimo bancário não é uma tarefa fácil para um pequeno empresário que não tenha garantias a oferecer. Especialistas em microfinanças avaliam que pelo menos 10 milhões de empreendedores não conseguem acesso aos recursos bancários no Brasil. No fim de agosto, o governo federal lançou uma ofensiva para reduzir essa carência, com a reformulação do Programa Nacional de Microcrédito. O programa, agora batizado de Crescer, passou a dar prioridade ao financiamento de atividades produtivas e não mais ao consumo. A meta estipulada pelo Ministério da Fazenda é que os bancos públicos federais, Banco do Brasil, Banco do Nordeste, Banco da Amazônia e Caixa, alcancem, em conjunto, uma carteira de 3,46 milhões de clientes ativos no fim de 2013 e os empréstimos cheguem a R$ 2,99 bilhões.

Para atingir a meta, o Tesouro vai subvencionar esses bancos com recursos que iniciarão em R$ 50 milhões em 2011, passarão para R$ 210 milhões em 2012 e alcançarão R$ 483 milhões em 2013. Os bancos, por sua vez, terão que reduzir a taxa de abertura de crédito, que antes chegava a 3%, para 1%, e as taxas de juros, que alcançavam até 60% ao ano, caíram para 8%. Os empréstimos terão o limite de R$ 15 mil e prazo de até seis meses, quando concedidos para financiar o capital de giro, e de 24 meses para investimentos. Os bancos privados têm a opção de aplicar 2% dos seus depósitos à vista no microcrédito ou recolher os recursos compulsoriamente ao Banco Central, sem remuneração, como determina a legislação desde 2003.

Quanto mais barato o dinheiro, melhor para o tomador de empréstimo. A meta do governo de expandir o microcrédito foi bem recebida por especialistas em microfinanças como Lauro Gonzalez, professor da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo, e Miguel de Oliveira, vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac). Os dois, porém, fazem ressalvas quanto ao modo como essa meta será buscada. "Subsidiar o microcrédito é um tiro no pé", diz Gonzáles.

O coordenador do grupo de microfinanças da FGV argumenta que o subsídio torna o programa refém dos recursos e da política de governo, fatores que podem oscilar no decorrer do tempo. Para ele e também para Oliveira, o programa só é viável no longo prazo se apresentar sustentabilidade econômica. Ou seja, se der um retorno capaz de cobrir as despesas burocráticas da concessão do crédito, o risco de inadimplência e ainda gerar lucro, mesmo que este seja pequeno.

Taxas de juros artificialmente baixas não motivariam bancos privados a realizar empréstimos e, sozinhas, as instituições públicas terão dificuldade em atender a demanda reprimida. "Os bancos privados não terão competitividade e vão optar por recolher o compulsório ao Banco Central, onde não há perdas", afirma Oliveira.

Gilson Bittencourt, secretário-adjunto de política econômica do Ministério da Fazenda, contesta. "Desde 1998 o Brasil vem desenvolvendo políticas de microcrédito e a participação privada, em todo esse tempo, não é considerável." Por outro lado, argumenta, a redução da taxa de juros tem um impacto importante para o tomador de empréstimos, o que viabiliza a operação para muitos empreendedores.

De acordo com Bittencourt a subvenção pública foi elaborada de forma a tornar as operações de microcrédito sustentáveis aos bancos, uma vez que serão repassados recursos de acordo com as necessidades específicas de cada instituição para cobrir a diferença entre as taxas que eram cobradas anteriormente e as atuais. "Vamos apoiar quem queira trabalhar dentro dos limites de juros propostos no Crescer, mas nada impede que os bancos façam as próprias operações de microcrédito com taxas de até 4% ao mês, como determina a legislação", afirma.

O governo pode até mesmo ampliar a quantia de subvenções, se um maior número de instituições se interessar em tomar parte do Crescer. Em tese, recursos não faltam, uma vez que o dinheiro vem dos 2% dos depósitos à vista recolhidos ao Banco Central. Em julho, a rubrica somava R$ 3,15 bilhões. Bittencourt relata que seis instituições, entre bancos estaduais e agências de fomento, já procuraram o Ministério da Fazenda interessados em realizar parcerias.

Para as instituições financeiras, públicas e privadas, o grande atrativo do microcrédito é a possibilidade de oferecer um produto que é a porta de entrada para novos clientes. Muitos deles não são bancarizados, mas representam uma classe emergente que consumirão mais produtos financeiros conforme seus negócios progridam. "É uma perspectiva comercial nova", diz Robson Rocha, vice-presidente do Banco do Brasil. E promissora, o BB acredita que no fim de 2013 terá captado 1,3 milhão de clientes por meio do Crescer e emprestado R$ 1,14 bilhão.