Título: erra mais uma vez na questão dos royalties
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Fonte: Valor Econômico, 26/10/2011, Opinião, p. A10

Desde agosto de 2009 em tramitação no Congresso Nacional, o projeto que trata da distribuição da arrecadação da exploração do petróleo (royalties e participação especial) corre o risco de ser resolvido no Supremo Tribunal Federal (STF), em mais uma demonstração de incompetência do Poder Legislativo para mediar os conflitos da federação brasileira, especialmente do Senado, que é a Casa dos Estados.

Trata-se de uma omissão que já está se tornando rotineira. Os exemplos estão ao alcance da vista. Até hoje, considerando-se apenas os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso e de Luiz Inácio Lula da Silva, num total de 16 anos, o Congresso não conseguiu lavrar os termos de uma reforma tributária capaz de apaziguar os ânimos dos entes federativos, sejam eles a União, os Estados ou os municípios. Isso para citar apenas um exemplo que tem a ver diretamente com uma federação que, talvez, precise ser repactuada.

Na realidade, o Congresso tem sido incapaz de mediar os próprios interesses da classe política, como demonstra o impasse permanente em que se transformou a reforma política. E quando responde às pressões da opinião pública, como ocorreu no caso da Lei da Ficha Limpa, o Congresso tergiversa tanto na forma que não resta outra escapatória às partes conflitantes que não seja bater às portas do Poder Judiciário para elucidar o conteúdo do que foi votado e aprovado pelo legislador.

Recurso ao Judiciário é a busca litigiosa de uma solução. Sinônimo de conflito, cuja decisão sempre acabará com vencedores e vencidos, que serão obrigados a assimilar a derrota, como é a regra nos Estados democráticos, mas que envenena o ambiente político.

A mediação do Poder Legislativo, onde estão representados os entes federativos e os federados, permite que os conflitos sejam resolvidos por acordos. Sempre alguém irá ganhar e alguém irá perder. Mas todos certamente terão de ceder em algo, em nome do bem comum, sem sequelas para a democracia.

O estabelecimento de novas regras de repartição dos recursos gerados pela exploração do petróleo sem dúvida é uma questão complexa, mas de composição possível, desde que os representantes da União, Estados e municípios dispam-se de interesses menores, muitas vezes pessoais, e entendam de uma vez por todas que as reservas de petróleo são um patrimônio do povo brasileiro, e em seu benefício é que devem ser articuladas as soluções para a distribuição mais justa dos royalties.

É evidente que as populações dos Estados mais impactados pela exploração petrolífera merecem tratamento diferenciado, uma compensação à altura do prejuízo que venham a sofrer. Mas sem perder de vista que "o petróleo é nosso", como dizia a campanha nacionalista dos anos dourados de 1950.

Por outro lado, cabe estabelecer responsabilidades a todos os municípios beneficiários, na proporção do que for recebido por cada um. É intolerável que municípios se esbaldem em royalties para construir calçadões de porcelana em vez de hospitais e investir em educação, ciência e tecnologia, o que equivale a dissipar o futuro.

A União talvez seja a grande responsável por desequilíbrios nas receitas de Estados e municípios. Ela criou as contribuições para fugir à partilha de impostos, é quem concede isenção para as exportações sem compensar na mesma medida as perdas estaduais de ICMS (Lei Kandir), e também quem desonera a indústria de impostos que compõem os fundos de participação dos quais hoje depende a maioria dos Estados. Mas nem por isso a União deve ser escalpelada como se fosse a única vilã da história.

A capacidade de investimento da Petrobras também não deve ser enfraquecida, como volta e meia sugerem alguns congressistas. Aliás, deve-se pontuar que o fato de a Petrobras ter sido preservada no projeto aprovado no Senado e que agora tramita na Câmara não serve de justificativa para a omissão da União no debate travado no Congresso. O governo federal comporta-se, na discussão, como quem está apenas preocupado em garantir o seu, quando na verdade deveria liderar o processo para a composição de um acordo capaz de juntar, em vez de separar, a federação brasileira.