Título: Persiste a desigualdade social
Autor: Amorim, Diego; Branco, Mariana
Fonte: Correio Braziliense, 12/09/2010, Cidades, p. 38

Elas não moramtão longe uma da outra. A distância é de pouco mais de 20 quilômeros.Mas as vidas de Egna Gomes Rodrigues, 28 anos, e de YelvaMaria Braga Ribeiro, 57, são bem opostas. A primeira mora na Estrutural, a invasão que virou cidade. Trabalha como gari, varrendo ruas sob o sol escaldante. Por mês, ganha um salário mínimo, ou seja, R$ 510, mais alguns benefícios.

A segunda vive no Lago Sul, o bairro mais nobre do Distrito Federal. Passou em concurso público para umórgão do governo local e desfruta de uma renda mensal de cerca de R$ 15 mil.

Sozinha, Egna garante o sustento dos três filhos.Omarido está desempregado. Não fossem os R$ 102 extras do adicional de insalubridade por manusear lixo , arcar com as despesas do lar seriamissão mais difícil. Ainda complementam a renda R$ 58 de umprograma do governo federal.

Nunca nem sonhei com essa renda de R$ 2 mil. Pra mim, isso não retrata a verdade, diz ela, referindose aos números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) divulgados na semana passada, que apontaram rendamédiareal de R$ 2.239para o trabalhador doDF, em2009.

O abismo social na capital do país, exemplificado na diferença de realidade entre Estrutural e Lago Sul, diminuiu em relação ao ano anterior, segundo o levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O DF, porém, não abandonou as primeiras posições do ranking nacional de desigualdade. Para Yelva Ribeiro, moradora da área nobre, os dados refletem o cenário do DF. Os salários dos servidores públicos são altos.Mas nas cidades mais carentes, que circundam o Plano Piloto, a situação é diferente. De fato, há um grande abismo social, diz.

Problema crônico O Índice Gini do DFque leva em conta a distribuição do rendimento mensal da população ocupadacaiu de 0.601, em 2008, para 0.582, no ano passado.

Em 2004, quando o IBGE também mediu a desigualdade, a capital do país obteve 0.588. Pela metodologia, quanto mais próximo de um, maior a disparidade entre as classes sociais. O índice do DF, em2009, só foi menor que o do Piauí, que registrou 0.596. A média nacional caiu de 0.521 para 0.518. Amazonas e Santa Catarina foramos estadoscommenor desigualdade: ambos apresentaramíndice de 0.463.

A gerente da Pnad,Maria Lúcia Vieira, diz que o tamanho do fosso social noDF não surpreende mais.Oíndice é puxado, lembra ela, pelos altos rendimentos dos trabalhadores da capital federal, principalmente por conta do caráter administrativo da cidade.

SegundoMaria Lúcia, há, no entanto, uma tendência de melhor distribuição da renda.

De 2008 para 2009, podemos perceber uma redução significativa, apesar de a desigualdade ainda ser grande, comenta. No caso do Piauí, que liderou o ranking, o que explica o abismo são os baixos rendimentos médios, diferencia.

Para o economista Carlos Lima, professor do Departamento de Ciências Contábeis daUniversidade de Brasília (UnB), o resultado da última Pnad mostra que o DF ainda não conseguiu superar a concentração de rendimentos, um problema crônico, na avaliação dele. Constatamos uma renda extremamente centralizada nas asas e nos lagos Sul eNorte. Por outro lado, encontramos situações de extrema pobreza nas regiões marginais, analisa.

Como o funcionalismo público do DF tem alguns dos salários mais elevados do país, reforça Lima, a situação se agrava.

Especialistas também atribuem a distância entre ricos e pobres à falta de políticas públicas voltadas para educação e para uma dinâmica econômica que descentralize a renda. A pequena redução do Índice Gini do DF mostrada pela Pnad, porém, ajuda a traçar um horizonte promissor.

Emjulho deste ano, oCorreio divulgou levantamento do Instituto de Pesquisa EconômicaAplicada (Ipea), com base em informaçõesde1995a2008, queapontava oDF comoúnica unidade da Federação a registrar aumento da distância social no período, com nível semelhante aos de nações africanas mais atrasadas.