Título: Expansão acelerada ameaça turismo no NE
Autor: Patrick Cruz e Paulo Emílio
Fonte: Valor Econômico, 05/06/2006, Empresas, p. B2

A onda de investimentos privados que a indústria do turismo do Nordeste do país tem atraído nos últimos anos pode perder força. Autoridades da região ligadas ao setor permanecem otimistas, mas já começam a afirmar que a atual estrutura de vôos, estradas e saneamento básico não terá capacidade de sustentar o crescimento acelerado registrado hoje.

"Ainda há espaço para novos investimentos, mas daqui a cinco anos o ritmo deverá diminuir. Vamos passar por um momento de avaliação do que já foi investido em turismo e do que ainda pode ser feito", diz Érico Pina Mendonça Júnior, superintendente de investimentos em pólos turísticos da Secretaria de Cultura e Turismo da Bahia. "Precisamos resolver entraves que já existem."

No Estado, afirma Mendonça Júnior, um dos pontos de preocupação é o aeroporto de Salvador. Reformado em 2001, o terminal é atualmente o quinto mais movimentado do país. No ano que vem, diz ele, o aeroporto deverá receber 6,5 milhões de passageiros, volume que era esperado apenas para 2015.

O número de vôos internacionais tem crescido, especialmente os charter, mas a falta de uma rede mais ampla também pode ser um entrave no futuro, acredita o superintendente. "Temos demanda de grupos de turistas escandinavos, mas eles têm dificuldade de acesso até aqui. Os italianos também."

Os principais investimentos privados na Bahia concentram-se no litoral Norte do Estado, na região conhecida como Costa dos Coqueiros. Essa faixa é interligada pela Estrada do Coco e seu prolongamento, a Linha Verde (BA-099). Dos cerca de 80 quilômetros da estrada entre o aeroporto de Salvador e o resort Costa do Sauípe, no município de Mata de São João, apenas metade está duplicada. Os engarrafamentos são recorrentes no verão e podem aumentar no futuro, quando outros empreendimentos da região forem inaugurados, diz Mendonça.

No Rio Grande do Norte, as vagas na rede hoteleira devem crescer quase 75% em apenas três anos - aos atuais 42 mil leitos devem ser adicionados outros 31 mil. Já está na etapa inicial a obra de um novo aeroporto em São Gonçalo do Amarante, na Grande Natal, mas a primeira fase deve entrar em operação apenas em 2010. "O aeroporto já está com a capacidade estourada", diz o secretário de Turismo do Estado, Renato Garcia.

O atual terminal, com capacidade para 1,5 milhão de passageiros por ano, será utilizado exclusivamente como base militar. O novo prevê fluxo de até 5 milhões de passageiros por ano quando a primeira fase estiver terminada. "Existem outros impactos (do aumento de turistas e investimentos), mas o que mais preocupa é o do aeroporto, que é a porta de entrada dos visitantes", afirma o secretário.

De acordo com ele, estão em obras 1.500 quilômetros de rodovias estaduais, com investimento total de R$ 120 milhões. Entre as federais, a que mais preocupa é a BR 304, que liga Natal a Fortaleza. O trecho que mais necessita de reparos é o que fica entre a capital e Mossoró, segunda maior cidade potiguar. "Esse trecho também já mostra sinais de que precisa ser duplicado", diz Garcia.

Em Pernambuco, uma boa evidência da necessidade de melhoria da infra-estrutura está no Aeroporto Internacional Gilberto Freire (Guararapes). O terminal foi ampliado recentemente para receber até 5 milhões de passageiros por ano. Esse volume deverá ser atingido em 2009, oito anos antes do que foi inicialmente previsto, o que já colocou em curso um novo estudo de aumento de capacidade. As obras para elevar a capacidade para 7,5 milhões de passageiros ao ano estão avaliadas em R$ 150 milhões.

Segundo o presidente da Empresa Pernambucana de Turismo (Empetur), Kleber Dantas, os maiores problemas do setor turístico de Pernambuco estão concentrados nos acessos ao Litoral Sul, no saneamento básico dessa região e na segurança. "Mas estamos trabalhando nessas frentes", diz. "No Litoral Sul, estamos investindo na melhoria da rede rodoviária, no saneamento de locais como Porto de Galinhas e também estamos criando um modelo específico de segurança para atuar naquela região."

Os recursos do Programa de Desenvolvimento do Turismo (Prodetur II) devem aliviar as necessidades do Estado, acredita Dantas. "É uma luta constante. Temos deficiência em infra-estrutura como todos os demais Estados", diz ele. Na primeira fase do programa foram investidos US$ 60 milhões em obras de infra-estrutura com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e dos governos federal e estadual. Na segunda etapa, Pernambuco deverá receber US$ 125 milhões, segundo o gerente do Prodetur no Estado, Luiz Castanha.

O presidente do grupo português Dorisol, Antônio Fernandes, observa que as condições de infra-estrutura são um dos primeiros fatores que pesam na decisão de investir ou não. "O Nordeste tem locais belíssimos e poderíamos escolher outros locais para investir, mas a deficiência de infra-estrutura em muitos desses destinos afastam o empresário."

Fernandes cita ainda a falta de mecanismos de financiamento de longo prazo como um entrave para a atração de novos projetos. O Dorisol está investindo R$ 90 milhões na implantação de três hotéis em Pernambuco e Ceará.

Todos os principais Estados do Nordeste têm uma forte política de atração de investidores. Além de incentivos fiscais, os governos têm acenado com obras em estradas e na rede de saneamento básico - ou, ao menos, com compromissos de que esse trabalho começará em breve.

"Se isso (obras de infra-estrutura) não for feito, perde-se o investidor e perde-se o turista. Quem acaba mais prejudicado é o próprio Estado, que fica sem o investimento, sem a renda gerada pela atividade e sem o emprego trazido pelo empreendimento", argumenta o secretário de Turismo do Ceará, Allan Aguiar. O Estado prevê receber neste ano mais de R$ 1 bilhão em investimentos privados ligados à indústria do turismo.

Entre 1994 e 2004, o Prodetur I, feito em parceria com o BID, destinou US$ 670 milhões para programas de infra-estrutura turística nos nove Estados nordestinos. A segunda edição do Prodetur, que está em fase de execução, prevê aportes de US$ 400 milhões. "A melhoria da infra-estrutura é fundamental para atrair o investidor, em especial o estrangeiro", diz o diretor comercial da Empetur, Francisco Rosário.