Título: Fôlego do setor automotivo vai diminuir em 2005
Autor: Marli Olmos
Fonte: Valor Econômico, 07/12/2004, Empresas, p. B1
Sem o mesmo vigor obtido nas exportações, que vão levar o setor a bater recorde de produção neste ano, a indústria automobilística traça um crescimento mais modesto em 2005. Depois de um 2004 com aumento de 45% nas vendas externas e uma produção 20% acima do volume de 2003, o próximo ano virá com elevação de 7% nos embarques ao exterior e 5,4% no volume de veículos produzidos. Os resultados de 2004 surpreenderam as montadoras até a véspera da virada do ano. A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) teve de refazer as contas no último mês e anunciou ontem a nova previsão de produção, de 2,2 milhões de veículos neste ano. Resultado que representa a fabricação adicional de 100 mil unidades em relação à previsão que as montadoras mantiveram até novembro. Os riscos que ameaçam o crescimento sustentado da economia são os mesmos argumentos usados pelas montadoras para a expectativa de arrefecimento do ritmo em 2005. Real valorizado, dúvidas em torno da queda de preços no petróleo e menos euforia na economia mundial são preocupações apontadas para um cenário que, conseqüentemente, trará maior pressão dos custos e perda de competitividade nas exportações.
Para completar, o fôlego perdido no exterior não poderá, na visão das montadoras, ser compensado no mercado interno porque o sistema de financiamento, que sustenta quase 70% das vendas de veículos no país, deverá ser afetado pela alta dos juros que virá como conseqüência de uma taxa básica também mais elevada em 2005. "O mercado está sinalizando com uma Selic dois pontos acima da taxa de 2004", destacou o presidente da Anfavea, Rogelio Golfarb, que ontem apresentou um cenário da indústria automobilística em 2005 com a ajuda do economista Raul Velloso. Ao antecipar a expectativa de crescimento mais modesto em 2005, os dirigentes da indústria que responde por 11% do Produto Interno Bruto industrial preparam o terreno para acelerar o projeto de incentivos fiscais, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já prometeu publicamente para o próximo ano. Ao dizer que não há espaço para ampliar as exportações, o setor reitera que o setor não pode se sustentar no mercado externo. Em meados do ano passado, a Anfavea fez um estudo no qual consultores concluíam que o país precisava produzir pelo menos 2,7 milhões de veículos por ano para ocupar mais a capacidade instalada e, assim, "assegurar a consolidação da indústria automobilística brasileira". O resultado daquele ano foi ruim. O volume de produção não chegou a crescer nem 2%. Neste ano, porém, o quadro mudou com os avanços nas exportações. "Aproveitamos um mercado internacional muito aquecido", explica Golfarb. O executivo lembra que essa indústria reflete muito a economia do país. "O crescimento do PIB surpreendeu os próprios analistas", destaca. Mesmo com expectativa de o ritmo diminuir, a previsão de fabricar 2,3 milhões de veículos significa que essa indústria vai bater novo recorde em 2005. E o mercado interno, que pode ser afetado com juros mais altos, passará de 1,54 milhão de unidades neste ano (crescimento de 7,8% em comparação com 2003) para 1,62 milhão em 2005. O estudo elaborado há um ano e meio e que resultou num pedido de intervenção do governo federal para estimular as vendas no mercado interno, alertava para o risco de perda da modernidade e da competitividade. Mas, desde então, o setor reduziu a sua capacidade ociosa. Abriu 11.227 postos de trabalho somente neste ano e tem hoje, inclusive, problemas de gargalos em partes da cadeia que não investiram na mesma proporção, como forjarias e fundições. No entanto, os dirigentes desse setor argumentam que temem que as matrizes continuem destinando a maior parte dos investimentos às filiais de regiões como o Leste Europeu. As vendas externas da indústria automobilística darão o salto de 45% neste ano, o que significa que as montadoras vão faturar US$ 8 bilhões no exterior. Esse volume vai crescer um pouco mais em 2005, para US$ 8,6 bilhões. "Mas não será fácil chegar a esse resultado", afirma Golfarb. "Trabalhamos com a tendência de uma economia mundial menos aquecida, juros reais acima de 2004 e o preço das commodities industriais acima da inflação", destaca o presidente da Anfavea. "São fatores que influenciam no ritmo de crescimento", completa. Um setor que fez ampla publicidade em torno de investimentos que totalizaram cerca de US$ 27 bilhões no período de 1994 a 2002, destinados, sobretudo à construção e ampliação de fábricas, não fala agora em investimentos. Montadoras que supostamente já elaboraram cronogramas para os próximos cinco anos, como a Volkswagen , não revelam planos para o Brasil. Ao governo, os fabricantes de veículos dizem que o investimento automotivo é de longo prazo e deve estar lastreado no mercado doméstico. No pacote que vem sendo estudado pela equipe econômica do governo constam redução de carga tributária e planos de juros subsidiados para o financiamento dos automóveis. Esse setor também não detalha rentabilidade. Formado por 25 empresas produtoras de 29 marcas de veículos em 51 fábricas instaladas em sete Estados, as montadoras não abrem os balanços financeiros no Brasil. Apenas as matrizes divulgam resultados Mas Golfarb garante que, na média, neste ano a indústria automobilística vai fechar no vermelho.